agosto 05, 2004

Mal habituados

A má notícia da semana veio pela mão do Gabinete de Informação e Avaliação do Sistema Educativo do Ministério da Educação. Segundo o GIASE, mais de metade dos alunos matriculados no 12º ano durante o ano lectivo de 2000/2001 não conseguiram concluí-lo. Nos chamados cursos gerais, a taxa de aprovação ficou pelos 48,4%; nos tecnológicos, só 42% chegaram ao fim. Há várias maneiras de reagir a estes dados. A primeira, culpando os sucessivos governos por não terem feito nada para evitar resultados tão decepcionantes, nem terem investido como deviam na escola; a segunda, culpando o sistema educativo em si mesmo, que não prepara convenientemente os estudantes para uma coisa tão decisiva como o 12º ano de escolaridade, digamos que um vestibular para o ensino superior; a terceira, culpando os autores das provas nacionais que também entram na média global (creio que em 30%), que eram inadequadas e talvez exigentes demais; a quarta, culpando o sistema de avaliação, que funciona como uma fábrica de reprovações.

Há mais hipóteses. Todas elas já foram tentadas - e começam todas por atribuir as culpas dos resultados a entidades diferentes. Mas pouca gente se lembra de, publicamente, atribuir as culpas aos estudantes que reprovaram. Aos 16, 17 anos, digamos que 18, os estudantes não são totalmente irresponsáveis. Uma parte da culpa cabe-lhes inteiramente.

Acontece que nenhuma das quatro "atribuições de culpa", uma ocupação favorita de todos nós, portugueses, serve para explicar resultados tão negativos (no meio disto, ainda há uma outra particularidade: os rapazes portaram-se pior do que as raparigas - 51,6% das raparigas terminaram o ano com sucesso a todas as disciplinas, contra 44% dos rapazes). Primeiro, mais investimento dos governos não significa melhores resultados no aproveitamento escolar; esta ideia, defendida pelo ex-ministro David Justino (um dos melhores ministros dos últimos anos), está mais do que comprovada. Segundo, o sistema educativo não tem culpa da falta de esforço, dedicação e trabalho dos estudantes do 12º ano; olhá-los como vítimas "do sistema" é um erro que dificilmente poderá ser reparado e que criará mais alunos com deficiências de responsabilidade e de exigência, eternamente infantis, por mais tempo sujeitos a serem tratados como crianças e não como adolescentes capazes de enfrentar os desafios da sua idade. Terceiro, as provas nacionais, além de não terem sido "exigentes demais", são necessárias, indispensáveis e uma das formas de aferir o conhecimento e o grau de empenhamento dos alunos; a ideia de "baixar o nível" das provas para que se obtenham melhores resultados, é digna de um populismo mentecapto que também já fez escola entre nós mas foi denunciado a tempo. Quarto, o sistema de avaliação tem de ser o mais simples possível e não devia ser mudado durante duas décadas, pelo menos. Já basta de experiências.

O ex-ministro Augusto Santos Silva falou de "problemas estruturais" a propósito destes dados arrasadores. Eu também acho. E melhores resultados não se conseguem com mais reformas deixadas a meio, mas com insistência e rigor. É uma linguagem pouco popular, certamente, mas o Português e a Matemática, pelos vistos, também não andam no topo da popularidade e não deixam de ser essenciais.

Uma onda de psicologia baratíssima anda pelas páginas dos nossos jornais, inventando traumatizados dessa guerra virtual que se vive na escola. Daqui a um mês, falaremos do trauma das crianças que regressam às aulas; daqui a oito ou nove meses, falaremos dos traumas gerados pelos exames e pelas noitadas de estudo. Pelo meio, falaremos do trauma dos miúdos que não sabem a tabuada ou usam a cedilha incorrectamente. A verdade é que a vida é assim mesmo. Estamos a criar gente mal habituada. Mal educada.

Jornal de Notícias - 5 de Agosto de 2004