agosto 02, 2005

Regresso a Itália, por defeito

O Ossobuco é uma receita familiar. Suculenta, saborosa e rescendendo a aromas brutais - o estufado como grande arte.


Goethe, no seu Viagem a Itália, não podia mencionar o prato. Não porque não tivesse passado por Milão, mas porque Goethe é Goe­the. Pena. Pelo contrario, outros viajantes mais audazes e mais viscerais - e menos incomodados pela dificuldade de existir, convenhamos - provaram e ensandeceram com um verdadeiro ossobuco alla milanese. Durante algum tempo, os nossos supermercados e talhos foram impedidos de nos satisfazer o apetite. por razões bem conhecidas de todos. Creio mesmo que a União Europeia se prepara para nos interditar o ossobuco. juntamente com as costeletas de novilho. Razoes sanitárias é verdade - mas uma medida impiedosa e cruel, capaz de despedaçar os nossos corações, para não falar do mal que causara ao estômago e à alma, que geralmente andam a par, de braço dado.

O ossobuco é uma das primícias da cozinha italiana. A opinião é só minha, mas tem em conta o trabalho simples e feliz de preparar um dos seus pratos mais suculentos. A sua base é a perna de vitela, cortada transversalmente e incluindo o osso. Tomem-se, portanto, duas porções de ossobuco por pessoa (escrevo para corações e estômagos carregados de apetite), e recomendo que se atem a volta, com um fio de cozin­ha a fim de não perderem depois, durante o estufado, o seu aspecto arredondado e composto, uma vez que os olhos também devoram. Passemo-los por farinha de trigo de­pois de os temperarmos com sal, pi­menta, uma poeira de alho muito picado. Repousem agora.

Eu costumo fazer assim, quando são quatro comensais à mesa: num tacho bastante largo deixo cair duas a três colheres de azeite, aquecendo um pouco. De seguida, junto ao azeite duas cebolas picadas, cinco dentes de alho, umas três cenouras e um pimento vermelho aos cubinhos, e mexo até que ganhem cor e comecem a fritar Retire do lume.
Numa frigideira deixo cair azeite e frito os pedaços de ossofiuco, volitando-os com cuidado. Ganham for­ma e consistência, mas o interior deve ser preservado e manter-se cru, de modo que a fritura deve ser rápida e com lume forte. A medida que os pedaços de ossobuco vão ficando aloirados, deposito-os no ta­cho, sobre os legumes já refogados. Na mesma frigideira onde trabalhei o ossobuco. ainda ao lume, junto um quarto de litro de vinho branco seco, mexo bem de modo a absorver todas as matérias que se tinham agarrado ao fundo e até que consiga um caldo suculento a que junto uma lata de tomate cortado aos pedacinhos (ou tomate muito maduro, evidentemente, e sem pele). Mexo, junto um pouco de tomilho, uma folha de louro - e rego com este molho o ossobuco e os legumes onde repousa. Ligo o lume para o tacho, finalmente, junto cerca de um quarto de litro de água ou de caldo de carne, e deixo cozinhar du­rante uma hora em fogo muito lento, com a tampa fechada. Vigio de vez em quando.
Quase no final, retiro o ossobuco para Ihe cortar os fios, devolvendo-o ao tacho logo de seguida, rego com sumo de limão e deixo que caia sobre todo o conjunto uma finíssima poeira de salsa. Agito e levo a mesa, na companhia de um puré de batata (a opção também é minha).

Ingredientes
+ 2 porções de ossobuco por pessoa
+ Farinha para passar a carne
+ Sal, pimenta
+ Azeite, 2,5 dl de vinho branco seco
+ 5 dentes de alho
+ 3 cenouras
+ 2 cebolas medias
+1 pimento vermelho
+ 1 lata de tomate inteiro
+1 limão
+ Caldo de carne


in Atlas de cozinha – Revista Volta ao Mundo – Agosto de 2005