fevereiro 18, 2006

Suave e tentador

O Foz Velha é um restaurante discreto e moderno. Moderno na apresentação da carta e em algumas sugestões; discreto na localização, diante do cenário quase perfeito da Foz portuense, com os seus perfumes de final de Inverno.

A literatura entrou nas cozinhas, e se em muitos casos a coligação apresenta resultados francamente deliciosos e precisos, há outros em que estamos diante de um embuste. Podemos sucumbir diante de uma escolha em que o nome da sugestão do chefe ultrapassa, em palavras, o tamanho do próprio prato. Sabem o que são (passo a citar:) "tournedós de atum com finos aros de lula, sementes de papoula e 'confit' de tomate seco com redução de xerez, servidos com tempera de vegetais, aipim e arroz de sementes"? Como experiência literária é fantástico; como experiência gastronómica é duvidoso, mas depende muito da companhia e da meteorologia geral.

Foi diante destes avisos que estacionei o carro frente a um dos mais belos cenários do meu Porto pessoal: a Foz. Às vezes gosto perdidamente da Foz - dos seus perfumes, dos seus bares, dos seus restaurantes e das suas manhãs que lembram Penzance, Brighton e vagamente a Foz ela própria. O Foz Velha (era esse o meu propósito) tinha-me sido apresentado como um restaurante superlativo e eu desconfio de coisas superlativas. Ao jantar, a decoração pareceu-me bonita, com as suas paredes azuis, suaves, uma luz ténue de refeição familiar, além de um ruído de fundo que mistura musica vagamente acolhedora com aquele murmúrio de conversas agradáveis à sexta-feira a noite. Entrei já na segunda rodada de jantares, tinha marcado mesa para bastante tarde. Cheguei à hora marcada; a mesa estava preparada sem me parecer uma surpresa. Gosto disso.

Depois de circular o cesto dos pãezinhos (quentes, saídos do forno) e de meter a colher numa mousse com ovo de cordorna e gelatina de ananás, vieram as entradas escolhidas: uma terrina de 'foie-gras' fresco com figo confitado e redução de vinagre balsâmico, muito aceitável; um folhado de cogumelos muito suculento, saboroso, de massa apetitosa, com salada de maçã e pedacinhos de lombinho de javali "curado ao molho de redução de vinho do Porto"; as "rosetas de salmão curado e aromatizado com especiarias ao molho de chalotas e alcaparras, com pequena quiche de alho trances e cebolinho"; e ainda um "queijo 'chevre' gratinado em cama de tosta de azeite e 'palha' de alho-porro" com folhas secas de manjericão. A terrina de 'foie-gras' era na verdade fresca; os cogumelos estavam muito bons, o javali menos; o salmão pareceu-me suave de mais, sem aquele sabor forte que as vezes nos apetece; quanto ao 'chevre', a ligação ao azeite era perfeita, lamento e que me perdoem os puristas. Nisto, a garrafa de um belo vinho do Douro pedia mais. De entre as sugestões, saltavam à vista um peito de pombo laminado com molho de pimentas; lombinhos de porco preto com puré de castanhas, arroz selvagem e molho de três pimentas; um lombo de bacalhau com tomate e salpicão transmontano em pão de azeitonas com milhos fritos recheados de queijo da serra; um bacalhau "braseado em lascas" com batatas a murro, pimentos e grelos. Mas apetites são apetites. Vieram, antes, tranches de robalo selvagem com batata salteada, tudo muito saudável, se me entendem; o naco de novilho com legumes salteados e batatas a murro estava saboroso, com a textura interior protegida, e embora a variedade de legumes fosse pequena, não se perderam no caminho; veio também uma coxa de pato confitada com salteado de couve dos pobres e feijão branco (a couve com aplicações quase doces, muito boa, o feijão infelizmente solto de mais); o lombinho de cordeiro em massa folhada com tomilho, cogumelos selvagens e molho de 'foie-gras' foi quase o melhor da noite - molho, muito bom; massa folhada rescendendo a sua manteiga; infelizmente, o cordeiro, alem do tomi­lho, tinha sal que podia ser poupado para deixar viver o sabor do animal, que pena! Recostado, provei ainda o pao-de-ló sobre creme de abóbora "espuma de requeijão e amêndoa tostada" e um nadinha de tarte de maçã com bolachas de canela. O pao-de-ló estava muito bom e o sabor do requeijão completamente aprovado. Quase dormitei depois de chegar o café e antes de pedir um 'whiskey' irlandês reconfortante para iluminar um 'doble corona' de 'San Cristobal de La Habana'. Achei o Foz Velha muito agradável, muito tranquilo, com um serviço esplêndido.

À Lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * * *

Garrafeira
Tintos: 36
Brancos: 17
Verdes e Alvarinhos: 5
Espumantes e Champanhes: 6
Aguardentes portuguesas: 12
Portos e Madeiras: 6
Uísques: 20
Cervejas: 4

Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Fácil
Levar crianças: Não
Bengaleiro: SIM
Reserva: Muito aconselhável
Preço médio: 35 Euros

Foz Velha
Esplanada do Castelo, 141
Foz do Douro 4150-196 Porto
Tel: 226 154 178 / 913471 432
Encerra às Terças-feiras

in Revista Notícias Sábado - 18 Fevereiro 2006