abril 03, 2006

É simplex

A semana terminou com as últimas glosas ao Simplex, e a verdade é que o caso merece-o. Simplex não é coisa que se chame a um programa governamental - mesmo para significar um plano de simplificação da nossa vida de cidadãos. Poderíamos chamar Simplex a um programa de acesso à internet, a um detergente para a louça ou a uma marca de utensílios de cozinha. Simplex não tem nada a ver com governo; tem, antes, a ver com publicidade. A verdade, também, é que fica no ouvido e vai permanecer no nosso anedotário - portugueses apreciam anedotas simples, efeitos fáceis. Imagino o Camilo de Oliveira a dizer "é simplex" e a piscar o olho. António Silva também podia dizer "é simplex" para Beatriz Costa, explicando-lhe como facilitar ou dificultar a vida a Vasco Santana.

Noutras circunstâncias, o Simplex seria glosado até ao excesso, haveria piadas, gritaria indignada, colunas de opinião, rimas escusadas (tudo de efeito fácil igualmente). Mas andamos mansos, mais conformados, a tratar da vida.

Isso não é um mal tremendo. Sócrates tem sorte, anda com sorte, tem a sorte do seu lado. Os mais cépticos continuam cépticos e mantêm adversativas, mas aos portugueses pouco lhes interessa se Simplex é ou não um nome adequado ou se vai bem com a gramática, o Português ou a dignidade de um programa governamental. Simplex funciona - apesar de alguma gente se interrogar sobre se é publicidade pura ou se se trata de trabalho de casa bem feito.

Vamos ser práticos. Simplex funciona porque o país estava uma bandalheira e porque José Sócrates teve a coragem de começar a arrumar a casa e de levar o governo a fazer os trabalhos escolares mais básicos. Na educação, na saúde, na administração pública, em vários sectores, o governo corrigiu aquilo que anteriores governos socialistas fizeram e o que alegados governos de direita não fizeram. Os analistas enganam-se redondamente quando dizem que este governo está a retirar espaço político à direita, esmagando e retirando argumentos à sua frágil oposição. É que a esquerda também fica sem argumentos. E essa habilidade foi conseguida por um primeiro-ministro socialista escolhido com a maioria absoluta dos votos que um ano depois elegeram um presidente à direita.

Para os anos futuros, este governo, não vai reivindicar heranças de outros governos de esquerda - limitar-se-á a mencionar que começou quase do zero. Essa herança foi diluída e, na maior parte dos casos, enterrada. Sócrates pode ter herdado várias coisas de Guterres; mas a determinação, a frieza, a capacidade de gerir, o planeamento - são coisas suas. E, até descobrir, o povo está a gostar. Mesmo que seja só publicidade (e não é), é publicidade da boa. Nem Guterres, nem Durão e muito menos Santana conseguiram dirigir-se ao comum das pessoas, e fazer qualquer coisa de útil da publicidade.

2. O senhor Ministro dos Estrangeiros, quando não é a propósito de Maomé, é sobre outras coisas. Depois de, retomando o seu ar de antigo regime, tentar humilhar os seus concidadãos, ensinando-lhes qual a diferença entre "liberdade" e "licenciosidade", partiu para o Canadá disposto a ensinar a um dos países mais generosos do mundo em matéria de emigração o que fazer com os nossos emigrantes. O Canadá não ligou a Sua Excelência e humilhou-o ligeiramente. Fez bem. Portugal gosta que tratem bem os seus emigrantes pelo mundo fora, mas trata geralmente mal os imigrantes que trabalham aqui. Dá-lhes 22 dias para se irem embora, mesmo que eles estejam a trabalhar. Não os legaliza, como devia; esconde-os nos subúrbios e persegue-os com ameaças e racismo. Sua Excelência também devia pregar aqui dentro.

Jornal de Notícias - 3 Abril 2006