maio 08, 2006

Eles não aprendem nem têm vergonha

Se alguma coisa de­via ter sido apren­dido com a elei­ção de José Sócrates e de Cava­co Silva é que os eleitores não são fiéis aos aparelhos das máquinas partidárias e, por outro lado, são sempre mais inteligentes do que supõem os seus líderes.

O que mudou nos últimos anos portugueses não foi a correlação de forças entre a "Esquerda" e a "Direita" clássicas (visível através da "alternância democrática"), en­tre o PS e o PSD, mas a ideia de que existem outras coisas para lá des­sa arena - outros valores, outras exigências (de natureza cultural -sobre a vida, sobre o carácter dos políticos e o seu comportamento, sobre o peso e os negócios do Es­tado) e, sobretudo, uma outra ideia acerca do que deve ou pode ser o país. Por isso, não se percebe o que anda a fazer a Oposição à Direita, entretida em congressos vaga­mente realizados no fim-de-semana passado. Poderia admitir-se que se tratava de cimentar as lideran­ças de Ribeiro e Castro e de Mar­ques Mendes, mas qualquer ex­traterrestre compreenderia que se tratava exactamente do contrário: emprestar mais uns meses de vida a Marques Mendes e a Ribeiro e Castro antes de aparecer "o líder certo".

Esta ideia de que há-de aparecer "o líder certo" para ga­nhar eleições e afastar o "líder pro­visório" que cumpriu a tarefa de le­var o partido através do deserto for­mado em tempos de maioria ab­soluta, tem marcado a genealogia da nossa vida política. É de ad­mitir que seja humilhante di­zer-se a um "líder provisório" que há-de aparecer "o líder certo".

Mas, no caso do PSD e de­pois de arrumado no armário o epifenómeno Santana Lo­pes, era previsível que o par­tido mudasse. Não mudou no congresso que deu a vitória a Marques Mendes, não mudou no que agora o confirmou - conforme, aliás, se esperava. O PSD não en­tendeu, até agora, o desenho que parece visível para todos. A verda­de é que uma larga faixa do parti­do quer manter o velho PSD, sem compreender que esse partido acabou e que as suas heranças são um património mas não consti­tuem nem um programa nem, pro­vavelmente, devem ser vistas como uma inspiração.

Marques Mendes deu alguns sinais duran­te as autárquicas, ao demarcar-se de alguns dos tradicionais candi­datos dos seus partidos - mas isso era o mínimo que po­deria fazer. O resto, tudo, continua igual. Se o congresso do PSD tivesse ido a eleições (ou seja, se as suas sensibilidades tivessem ido a juízo diante do eleitorado), facil­mente se compreenderia a sua inu­tilidade e a pouca importância que o partido tem para o país nestas cir­cunstâncias. E esse é o drama, não apenas do PSD, mas também da, Oposição à Direita: não estar pre­parada para assumir que é neces­sário mudar (provavelmente de for­ma radical) o discurso, a atenção e o eleitorado.

Tanto Sócrates como Cavaco perceberam essa necessi­dade - porque o país já tinha mu­dado, tinha outras ambições além do fornecimento sazonal do seu voto, e estava mais esclarecido, com outros interesses e outras lei­turas. Infelizmente, a representa­ção parlamentar não melhorou substancialmente; limitou-se a re­presentar, não o país, mas as ten­dências de cada máquina parti­dária.

A oposição formal, alegrada por congressos e por frases fatais, ain­da não percebeu o que a levou a tor­nar-se irrelevante para tudo o que seja o debate sobre o futuro do país, sobre o papel do Estado na socie­dade e na economia, sobre as no­vas realidades culturais, sobre o sentido que tem a política portuguesa na Europa de hoje. Mas ex­plica-se facilmente: preguiça e baronatos. Foi isso que matou a Di­reita antes, durante os seus gover­nos. É isso que ameaça liquidá-la agora, por alguns anos. Essa irrelevância vai custar caro ao país.

in Jornal de Notícias – 8 Maio 2006