maio 27, 2006

Gaivotas em terra

Os restaurantes do Guincho são, por princípio, agradáveis: a vista deslumbrante quase nunca deita a perder o que vem no prato. É o caso deste Furnas do Guincho.

PODERÍAMOS, agora, e com mais vagar, dedicar-nos às mesas de Verão. É um princípio como qualquer outro, não fosse dar-se o caso de um bom restaurante de Inverno acabar por ser um bom restaurante de Verão - ou não ser um bom restaurante. Há, evidentemente, o espírito da tem­porada: mar, peixes, saladas, vinhos brancos, gre­lhados, temperos leves, azeite suave, frutos, comedimento calórico. Mas cada um sabe de si. Muitas vezes, a meio do Inverno, apetece-me o Verão; a meio do Verão, ocorre um apetite outo­nal. O nosso calendário privado é um mistério.

Por mim - e isto não é regra - o Verão aproxima-se verdadeiramente da mesa quando os percebes são mais suculentos, quando deixa de haver grelos salteados (o que é uma pena), quando as sardinhas resplandecem e as ostras me fazem inveja de entre todas as coisas que vêm do mar. Certamente que o Verão é, também, mais frívolo; tem colado à pele aquele tom salgado que se con­funde com o ar do tempo, as coisas que passam depressa, sem que isso signifique que o apetite se perca, ai de nós.

Deixemo-nos de poesia. Portanto, vamos ao Guincho. Reconheço que não é uma opção fácil para fins-de-semana, quando os automobilistas de domingo (e de longos feriados) supõem ser exclusivamente sua a estrada e exclusivamente seu o relógio do final de tarde - mas arrisquemos. Logo depois de Cascais, o Furnas do Guincho é apetecível; aproveita bem a localização, como dirá um paisagista amador: diante daquele mar seria um crime não o olharmos de frente, de uma das suas esplanadas. Primeira surpresa: os percebes são magníficos. Isto é um ponto positivo em qualquer lugar do mundo e, como disse lá atrás, são suculentos, salgados no ponto preciso, amáveis, convidativos.

O Verão che­gou, portanto: a lista de vinhos brancos apetece, a frivolidade toma conta da mesa, o perigo ronda. Aliás, os mariscos são bons, frescos, se bem que a imposição de um pratinho de camarão ou gambas logo na mesa, mal uma pessoa se senta, não pareça muito compincha. De uma das vezes pedi os per­cebes da ordem, fanático como sou. "Ah, isso vem sempre, e umas gambas..." Como vem sempre? Não deve vir. Vem, se estou para ali virado e se me ape­tece e se os peço. E se estou em dia de Inverno e não me apetece? Fica o pratinho marisqueiro a empenar a mesa aguardando ordem de retirada - pensando o cliente: "Desses não quero mais, que não aprecio camarões viajantes." E com razão. Também não aprecio que sirvam o vinho branco desconside­rando-o – deixando-o, de alto, cair no copo, como se não merecesse os cuidados do tinto.

Ultrapassado o problema, passemos ao peixe: fres­co, mais uma vez, bem preparado, exigente. Bom peixe ao sal, que aparece na lista acompanhado de uma paelha (não provei), de um arroz de marisco (suculento), de uma caldeirada, uma cataplana e de espetadas várias para usar lulas, chernes, camarões e primos reunidos. Um pargo no forno saltitou diante dos olhos e tinha bom aspecto, mas o peixe ao sal era a escolha do dia, além de material de gre­lha - uma dourada espevitada pelo mar (e não pelo aquário), um cherne apetitoso. Não há grande cria­tividade, mas não era o que eu pedia - apenas consolação para o apetite de peixe. Os legumes eram, digamos, fraquinhos (muito serviço, muito serviço...) e tive de pedir duas vezes o galheteiro, uma vez que o azeite fervente com alho e orégãos não figura na minha cosmogonia particular; Mas, repito, do peixe nada a dizer - a não ser elogios. Uns amigos vinham procurar a feijoada de maris­co e acenei-lhes ao longe. Excelente bife aquele, pensei entretanto, vendo passar um, em procissão, rodeado de legumes. Os meus filhos comeram sobremesas, eu escolhi uma fruta. A carta de diges­tivos é muito razoável, para concluir o café na esplanada daquele almoço tardio. O fantástico espectáculo do mar, azulão e acolhedor, ilude tudo o resto. Até a factura, que é alta - mas um almoço nunca é de graça.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos Tintos: 78
Vinhos Brancos: 40
Vinhos Verdes: 10
Portos & Madeiras: 14
Uísques, Aguardentes & Conhaques: 16

Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Parque próprio
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Aconselhável aos fins-de-semana
Preço médio: 35 Euros
Cartões: MB. V. D. M. AM

RESTAURANTE FURNAS DO GUINCHO
Estrada do Guincho - Cascais
Telefone: 21.4869243
Não encerra

in Revista Notícias Sábado - 27 Maio 2006