julho 08, 2006

Elogio da agricultura

O Casa Agrícola, no centro da cidade do Porto, merece visita. Visita e demora. Devia ter uma salinha para se poder dormir a sesta.

FUI LÁ NUM DIA DE CHUVISCOS, cinzento, pálido – e quente. O que poderia eu dizer sobre estes dias do Porto que não esteja já escrito em toda a literatura da cidade? Leiam-se os clássicos sobre o assunto. Camilo não era muito dado a questões meteorológicas, o que se compreende – preocupavam-no mais os assuntos pessoais, as multidões de personagens que cabiam nos seus romances, nas suas novelas, nas suas fúrias. Júlio Dinis pôde captar essas nuvens eternas do Porto, o empréstimo de melancolia que o clima proporcionou à cidade. Outros assinalam a profunda tristeza da sua foz, ou a honradez do seu carácter, ou a pusilanimidade dos seus novos-ricos. Os poetas, sim, frequentemente assinalam a pedra escura das suas ruas e as ondas nubladas que assaltam o seu céu. Mário Cláudio aprecia a euforia romântica das suas memórias, uma cidade de excepções dramáticas, saborosas, profundas, arrancadas ao coração. E Agustina Bessa-Luís, bom, Agustina retrata o Porto vibrante e cheio de desvarios, defende o carácter burguês e altíssimo das suas mulheres e homens que desafiam a morte e o anonimato. Eu gosto do Porto reflectido nessas páginas, burguês e romântico, desafiador e corda­to, ligado às coisas essenciais mas atrevido, cheio de bairros e de casos. Sabem ao que me refiro – sobretudo ao atrevimento. Haver um restaurante destes na casa da antiga Quinta de Nossa Senhora do Bom Sucesso é um atrevimento notável. E a sua natureza também, dividido entre a comida cordata e burguesa do Porto e do Norte e a música electrónica do seu bar nocturno. Tamanha conciliação de opostos lem­bra-me que o mundo é possível e é um lugar muito conveniente.

O espaço é notável, amplo, generoso e convida­tivo. O caminho até à sala de refeições é uma ver­dadeira antecâmara para nos levar à mesa e nos abrir o apetite – até lá vamos descobrindo salas, memórias, objectos, sinais que despertam o olfac­to e preparam o estômago para os fritinhos de bacalhau, os ovos mexidos com cogumelos bravos, os 'carpaccios' fundamentais, os 'patês', os escabeches, as carnes defumadas, os cogumelos salteados ou grelhados, as carnes vindas do forno. Mas antes disso recomendo também que se experimente um queijo 'chèvre' grelhado com tomate.

Gostei muito, na primeira vez que visitei a Casa, de uns ovos escalfados com puré de feijão e legumes (incluídos num "cardápio vegetariano" onde constam 'tagliatelle' verde com legumes e cogumelos grelhados com arroz de legumes), que depois não pude repetir; se bem que petiscasse os lombinhos de pescada, o bacalhau albardado (servido com milhos), um polvo assado no forno excelente e um outro na grelha, acompanhado de batatinhas, e até um carré de borrego delicioso, de textura amanteigada e cremosa, diluindo-se num prato onde havia grelos salteados e um dos arrozes primordiais do Porto. Vi, entretanto, passar uma alheira, servida com batata cozida, como deve ser (para que a batata receba um nadinha de azeite que se mistura aos grelos, enquanto a alheira vai pin­gando à medida que se esgota no prato), um arroz de polvo pecaminoso, rosado, intenso, fumegante, acompanhado de filetinhos também de polvo, tensos; uma cataplana de tamboril; e uma das refe­rências da casa, o medalhão de boi na grelha. Não provei o 'magret' de pato com redução agridoce, mas cortei com a faca uma fatia de excelente ros­bife, servido com batata palha verdadeira e um esparregado onde não havia poupança de sabores nem de vergonhas.

O pãozinho, no cesto, também me comoveu, devo dizer – bem como a abundância de escolhas na carta de vinhos. Passemos ainda pela lista de sobremesas: leite-creme, 'mousse' de 'capuccino', bolo de chocolate e café, folhado com 'chantilly' e creme de frutos silvestres, folhado recheado de doce de ovos e amêndoa, ou o gelado de leite condensado com amêndoa torrada. O que eu comi? O pudim do abade de Priscos, em busca dos meus níveis de colesterol, que andavam precisados.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos Tintos: 210
Vinhos Brancos: 80
Vinhos Verdes: 42
Portos & Madeiras: 41
Uísques: 42
Aguardentes & Conhaques: 30

Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Fácil (existe Parque próximo)
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Aconselhável ao almoço
Preço médio: 20 Euros
Cartões: MB. V, D, M, AM

RESTAURANTE CASA AGRÍCOLA
Rua do Bom Sucesso, 241-243
4150-150 Porto
Tel: 22 6053350
Encerra aos domingos

in Revista Notícias Sábado – 8 Julho 2006