julho 22, 2006

Lavrar a terra

Em Trás-os-Montes, Chaves, fomos encontrar O Lavrador - um nome sensaborão que, no entanto, indica o seguinte: produtos fantásticos, frescos, apetecíveis. É isso que queremos, às vezes.

PELO VERÃO FORA visitam-se muitas vezes restaurantes inexplicáveis, perdidos numa estra­da, numa ruela de uma cidade de província, numa praia improvável. Eu gosto dessa deambu­lação que nos desculpa a ortodoxia à mesa. Ela também merece descanso – e a bolsa igualmente, sejamos sinceros. Muitas vezes, a comida desses lugares não oferece garantias de nenhuma felici­dade, mas depois das minhas mais recentes desilusões no Algarve – que já não visitava há anos senão para confirmar a excelência dos três ou quatro lugares de excepção – eu devia experi­mentar essa cozinha substancial transmontana que, apesar de tudo, se aligeira um pouco no Verão. Mas não muito.

Há quem pense que devemos ser, todos, saudáveis. Essas pessoas têm razão. Infelizmente, numerosos desobedientes às mais elementares normas do bom senso prosseguem a via-sacra do seu mau comportamento; não entendem como é exageradamente feliz uma existência saudável. Um desses desobedientes era Mark Twain, que me permito citar antes de vos falar de um naco de carne grelhado na companhia de uma puríssima salada fresca: "É uma lástima que o mundo tenha de desperdiçar coisas boas apenas por não serem saudáveis. Dúvido que Deus nos tenha dado algum refresco que, bebido com moderação, seja prejudicial para a saúde, com excepção dos micróbios. Mesmo assim, há pessoas que se pri­vam de toda e qualquer coisa comestível, bebível e fumável que tenha certa má fama. Pagam esse preço pela saúde. E saúde é só o que recebem em troca. Eles mesmos me disseram isso. Que estran­ho; é como pagar todo o dinheiro que se tem por uma vaca que já não dá leite."

Pois naquilo que era, outrora, uma das saídas da cidade, e que hoje faz parte da cidade em si mesma, fica um dos restaurantes apresentáveis de Chaves, O Lavrador. Este restaurante faz parte de um conjunto que se procura quando se está "de passagem" – o que, por vezes, nos devolve boas surpresas. A primeira delas é que a entrada nos obriga a passar pela cozinha; isso é uma garantia. Ao passar diante daquelas mesas e fogões, do lume que incendeia molhos e apura caldos e grelhados, o espírito começa a flutuar. E é, portanto, um bom sinal.

Desta vez, a lista – que flutua, certamente, ao sabor do clima e dos produtos do mercado – apresentava as carnes habituais, próprias da região, onde descortinei um naco na pedra, muito saboroso, uma posta grelhada com o seu molhinho suculento e bem temperado (ligeira­mente acidulado, como é de lei), um entrecosto de vaca (ou, para conhecedores da arte do chur­rasco, "costela de tira"), muito difícil de encon­trar, cada vez mais difícil. As opções andaram pêlos grelhados – e foram boas opções. Umas lulas superlativas, que me parece terem vindo da vizi­nha Galiza, juntamente com amêijoas que tinha suspeitado antes. Mas o festival das carnes foi o mais aplaudido. Evitando fornecer um montículo de carne grelhada, cercada de batatas fritas e de gordura, O Lavrador estimulou o apetite com um corte quase exemplar, suculento e cheio daquela "tenra e amarela gordura" que, como dizia Twain, "forma um distrito nesse abundante condado de bife". Foi esta a opção, juntamente com uma sala­da exemplar, de alface genuína, saborosa e tenra.

Passámos os olhos pelas propostas abundantes, de forno, de panela e de grelha. Havia um cabrito no forno, sim, e vários bacalhaus que mereciam atenção, juntamente com a habitual selecção de legumes (ou os grelos, em os havendo, ou a couvinha - penca - cozida e salteada ou estufada). Mas há dias e dias; ficará para mais tarde, para outra visita. Neste final de tarde, uma simpática e ruidosa delegação de evangélicos entrou no restaurante e rodeou-nos a mesa. Temia o pior, mas também, ai deles, sucumbiram à graça de O Lavrador.

À Lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * *
Acolhimento: * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * *

Garrafeira
Vinhos Tintos: 50
Vinhos Brancos: 20
Portos & Madeiras: 10
Uísques: 15
Aguardentes & Conhaques: 22

Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Fácil (existe Parque próximo)
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Aconselhável ao jantar de fim-de-semana
Preço médio: 17 Euros

RESTAURANTE O LAVRADOR
Rua D. Afonso III, Caneiro
5400-027 Chaves
Tel: 276 332838
Encerra às segundas

in Revista Notícias Sábado – 22 Julho 2006