julho 04, 2006

Tristão da Cunha,o meu arquipélago

É o lugar que sempre quis conhecer. Quinhentos anos depois do seu descobrimento, os portugueses ignoram-na olimpicamente, o que é uma tristeza: o arquipélago formado pelas ilhas de Nightingale, Inacessível, Gough (antigamente, Diogo Álvares), do Meio, Stoltenhoff e a principal, Tristão da Cunha, faz parte dos meus sonhos de viajante. Descoberta em 1506 por Tristão da Cunha, navegador português que viria a ser o primeiro vice-rei da Índia, nomeado por D. Manuel, a ilha era considerada inacessível: penhascos altísssimos, falésias, enseadas desabrigadas, aspecto agreste. Imagino o espectáculo de há quinhentos anos. Ao contrário da imagem idílica, próxima do paraíso dos trópicos, a ilha devia ter um aspecto assustador. A falar verdade, também não devia ser coisa para o nosso navegador, habituado a pompas e grandezas – Tristão passou por Madagáscar, Moçambique, foi comandante de Afonso de Albuquerque (seu primo), antes de, sete anos depois, chefiar a monstruosa delegação que o nosso rei enviou ao papa Leão X, cheia de pedras preciosas, animais, escravos e plantas trazidas dos novos mundos. De certo modo, essa representação ao papa devia ser vista como um símbolo daquilo que os portugueses malbarataram e daquilo que eles inventaram: a riqueza e a grandeza.

Nem riqueza nem grandeza existem em Tristão da Cunha hoje em dia. Leio, periodicamente, os jornais do arquipélago através da internet, sei quem parte e quem chega à ilha maior (coisas que vêm anunciadas na coluna social do “Tristan Times” – por exemplo, sabia que o mais novo habitante das ilhas se chama Jamie Kenneth Lewis Glass, nascido em Março passado? e que acaba de falecer Peter Swain, de 63 anos, que se deitou tranquilamente na noite de 22 de Maio, e que não mais se levantou?), conheço a maior parte das estampas – antigas – do albatroz classificado como Tristão da Cunha e sei de cor o horário de partidas e chegadas de navios que demandam o velho porto da ilha principal. Devo dizer-vos que durante o mês de Julho há navios regulares a sair e a entrar nos dias 7, 14, 21 e 25 (menos do que em Agosto, apenas a 11 e a 18).

Mesmo assim, gostava muito de ir a Tristão da Cunha. É um dos meus projectos. Serei ornitólogo como a maior parte dos visitantes, que não procuram ali o calor ou a doçura das praias (Napoleão morreu em Santa Helena, no exílio, e não me parece que a visse como um paraíso), mas as manchas de neve de The Peak, o seu ponto mais alto. Coleccionarei selos de Tristão da Cunha, pois a filatelia é, a par da exportação de lagostas, a maior fonte de rendimento do arquipélago. Parece que, agora, a ilha já tem dois “pubs” com restaurantes acoplados. Será o ideal para ler meia dúzia de clássicos que tenho reservados para momentos de puro isolamento, enquanto os meus filhos frequentam a única piscina pública disponível.

Os portugueses, que vivem de glórias passadas e da memória de colónias abandonadas, nunca ligaram muito às ilhas de Tristão da Cunha, cheias de penhascos e onde neva no Inverno. Quinhentos anos depois, ignoraram o feito. É por isso que eu quero mesmo ir a Tristão da Cunha.

in Outro Hemisfério – Revista Volta ao Mundo – Julho 2006