setembro 16, 2006

Elogio da vaidade pura

1. Parece, dizem os jornais, que há 65 investigações a de­correr sob a alçada do Minis­tério Público e a rondar a cha­mada "corrupção no futebol". Também pelos jornais ficá­mos a conhecer algumas das escutas realizadas no âmbito das investigações policiais - e quase nenhuma delas é edifi­cante - bem como um parecer do Prof. Gomes Canotilho so­bre uma eventual inconstitucionalidade que marcaria o processo do Apito Dourado. Tudo isto confere; fosse o pro­cesso relacionado com cor­rupção na política ou com cri­mes na rua e a Imprensa seria muito mais cuidadosa e usa­ria palavras corno "alegado", "suposto", "provável", etc. Como é futebol – meia bola e força é quanto basta. Apitos dourados é no que dão.

2. Mas o futebol entrou, mes­mo, em marcha. Refiro-me ao futebol dentro do campo, aquele que não engana, não está sujeito a segredo de justi­ça nem aos desmandos da obrigatoriedade de sermos patriotas. Por isso, deixem que lhes diga: está sofrível, a bola dos portugueses. Sim, o Sporting enfeitou os ombros do Inter com um inesperado golo de Caneira – mas o F. C. Porto e o Benfica ainda não acertaram. Por este caminho, o Benfica, aliás, não acerta e o JN de ontem falava da "preo­cupação de Fernando San­tos" . Salvo erro, isso não é de grande ajuda a uma equipa que joga futebol de nível inferior e logo depois de levar três no Bessa. Recomendações, é o que lhes deixo.

Quanto ao F. C. Porto, vê-se que ainda gatinha e cuido que Adria­no corre o risco de transformar-se num McCarthy, tanta a quantidade de golos que podiam ter en­trado e não entraram. Às vezes, a bola traça-lhe tangentes, encos­ta-se-lhe a pedir para ser empur­rada para a baliza – mas a per­centagem de desacerto é esma­gadora. Jogar é afastar a infelici­dade; em futebol, falhar golos é o princípio da infelicidade mesmo que os floreados se encaminhem na direcção certa.

3. O que me fascina em Anderson, no miúdo, nem é tanto vê-lo jogar agora, rasgando laterais, traçando linhas sobre o campo entre as pernas dos adversários - mas sim tê-lo visto jogar no Grê­mio de Porto Alegre, durante aquela finalíssima que ditaria a subida à série A, no ano passado: Gaiato, o guarda-redes, tinha de­fendido dois penaltis e o Grêmio estava reduzido a oito jogadores, com três expulsões milimétricas e bem encomendadas. O garoto entrou e salvou o jogo. Eu, que sou gremista, tricolor gaúcho, não esqueci o gesto. Um ano e tal depois, Anderson deu aquele golo a marcar a Lucho, o capitão argentino. Os comentadores fa­lam de humildade e medo de re­petir um falhanço anterior. Não: foi, antes, um gesto de pura ele­gância, de pura vaidade. Os futu­ros génios têm coisas dessas.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 16 Setembro 2006