setembro 23, 2006

A flor do Tua


O Flor de Sal, em Mirandela, constitui uma espécie de corte radical com a ditadura da ementa transmontana mais rude e tradicional. O cosmopolitismo não faz mal a ninguém. É uma questão de maneiras e de garantias.

Mirandela foi, na minha infância, uma terra de passagem – eu ia e vinha entre o Alto Douro e Trás-os-Montes (sempre acreditei tratar-se de coisas diferentes) e Mirandela ficava no meio, traçada pelo espelho de água do Tua, anunciada pela estrada de curvinhas acentuadas vinda de Valpaços (com anda­mento, depois de Rio Torto, sempre junto ao rio), ou pela outra que descia de Vila Flor, passava pelo Cachão e acompanhava os choupos, freixos e negrilhos que ladeavam o rio, quê se encaminhava - esse sim - para o Douro. Percorri essa estrada milhares de vezes; fui levado de comboio, entre Bragança e o Tua, quase outras tantas. Depois, só depois, descobri outros caminhos – os que levavam à Aldeia do Romeu, os que subiam para o nordeste do nordeste, os que pediam caminhada e contemplação (entre a Terrincha e o Vale da Vilariça) e, seja como for, nunca os esqueci. Agora, sei que há mais razões para visita, e uma delas é o Flor de Sal, um restaurante inespera­do nestas paragens. Se é razoável esperar-se, digamos, o cardápio do Vidago Palace – o menu do Flor de Sal constitui uma espécie de corte radical com a ditadu­ra da ementa transmontana mais rude e tradicional - reinventando-a, recriando-a, tornando-a mais cosmopolita. O cosmopolitismo não faz mal a ninguém; é uma questão de maneiras, também, e de garantias. O Flor de Sal dá essas garantias.

Ele há uma coisa que me espanta, recordando a minha infância e adolescência na região (ou por lá perto): havendo tanta diversidade de arrozes na cozinha doméstica, por que razão os restaurantes os evitam? O Flor de Sal disponibiliza uma grande quantidade deles, além da paelha de marisco; aí estão os de marisco, bacalhau, polvo, pato, chocos (com tinta), coelho, tordos, perdiz e cogumelos (acrescen­taria os vários de couve, mas isso é outro tema).

Ladeando os arrozes, uma ementa regional que con­vém encomendar antes: o pernil fumado, a alheira (ah, Mirandela!, tens de fazer jus à tradição), azedos (fantástico enchido, tostadinho), o butelo com cascas (uma ementa adorável, onde as cascas do feijão seco servem de aglutinador para os sucos das carnes e dos enchidos), as almôndegas de alheira com arroz branco (estou mortinho por prová-las, bem como ao tronco de alheira ou o cozido da casa), entre outros.

Da ementa das carnes, ainda, destaquemos o pato ('confit' de pato, 'magret' de pato com frutos gratinados, ou envolto em massa folhada) a perdiz de escabeche e algumas delícias de 'foie gras' (ou o mil folhas elementar ou temperando o medalhão de vitela), uma posta de vitela em azeite, o medalhão com queijo terrincho, os tordos com alho e os bor­regos e cabritos: costeletas, assado no forno ou em vinho do Porto. Além disto, há ainda bifinhos com redução de moscatel, o chuletão grelhado ou leitão no forno (à transmontana, segundo um dos meus amigos). Para quem seja abstémio em matéria de carnes, há lasanhas (de legumes e de beringela), bem como uma parrilhada de legumes e uma pasta de brócolos e tomates. Deixei para o fim uma menção aos peixes, porque nem sempre é fácil encontrar uma lista tão diversificada na região: além de polvo com ervas ou frito com arroz de tomate, há bacalhaus vários (evidentemente: 'souquet', à Brás, com natas, assado no forno com batata a murro ou confitado e frito em azeite de malaguetas), salmão em crosta de amêndoa (há também um cherne com molho de amêndoa), rodovalho com algas, peixe ao sal (robalo, que também se apresenta grelhado com tomate ou com molho verde), medalhões de tamboril em vinho branco, lulas grelhadas e umas marmotinhas com arroz de tomate malandro, entre muitas outras propostas.

Evidentemente que as entradas são formosíssimas, como o medalhão de 'foie gras' com fruta confitada, o 'carpaccio' de bacalhau (eufemismos...), o mil-folhas de 'courgettes' com vinagrete de nozes e redução de frutos silvestres, ou as repolgas grelhadas com azeite, de que tinha saudades (são uns cogumelos de primeira categoria). O Flor de Sal insiste em apre­sentar uma boa lista de azeites, além de um menu de degustação apenas para azeites que sugiro sem dúvidas; depois, há uma boa escolha de cogumelos (boletus, repolgas, murcas, etc.). Dizer que valem a pena a visita e o desvio na estrada é muito pouco. É muito bom.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos Tintos: 102
Vinhos Brancos: 26
Vinhos verdes: 10
Portos & Madeiras: 11
Uísques: 22
Aguardentes & Conhaques: 17
Champanhes & Espumantes: 30

Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Fácil
Levar Crianças: Sim (tem menu infantil)
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Conveniente
Preço médio: 25 Euros

FLOR DE SAL
Parque Dr. José Gama
5370 Mirandela
Tel: 278 203 063
Telm: 91 2583982 e 96 2002620
Aberto todos os dias

in Revista Notícias Sábado – 23 Setembro 2006