setembro 09, 2006

Lina e António

Em Leça da Palmeira, o Arquinho do Castelo, que recentemente mudou de sala, tem aquela suavidade branca que abre o meu apetite e a vontade de pecar abundantemente.

A tradição dos restaurantes de Leça e Matosinhos leva-me ("transporta-me", como dizem os autores) à minha infância. O meu pai gostava deles e visitá­mos alguns nesses anos em que eu não prestava grande atenção ao assunto – a falar verdade, eu deveria ter acondicionado e congelado toda a comida que recusei na altura. Estaria hoje mais reconfortado e verdadeiramente alimentado por muitos dias. Enfim, não voltes ao passado – é a lição que nunca se aprende.

Eram, às vezes, restaurantes ruidosos, onde peixes e mariscos se acotovelavam para chegar às mesas – em doses triunfais, vastíssimas e apetitosas. De vez em quando volto lá, aos clássicos de Leça e Matosinhos, para saborear essas memórias – e trazer outras, mais de agora, que se aconchegam com perfeição na maior parte das vezes. O meu problema é que vou com apetite aos restau­rantes. Às vezes, esfaimado. Outras, em pânico, elaborando listas do que se vai comer. A generali­dade das pessoas decentes não faz isso: algumas entram num restaurante já com aquela displicência bem-comportada, preparadas para mordiscar mas não para encontrar a salvação. Ora, para mim – que gosto bastante de comer em casa –, ir a um restau­rante é uma tarefa que encaro com a satisfação de um caçador em dia de (finalmente!) ir à caça. E, portanto, prepara-se psicologicamente. Olha-se ao espelho para tentar imaginar as papilas, desentorpecidas, saltitando - e expectantes. Escolhe a camisa. Penteia-se. Finalmente, entremos no restaurante.

O Arquinho do Castelo, que existe há uns bons anos e que recentemente mudou de sala, tem aque­la suavidade branca (das suas toalhas imaculadas) que abre o meu apetite e a vontade de pecar abundantemente. Passam pratinhos de morcela assada, de enchidos ou de salada de polvo e rissóis – e de uns bolinhos de bacalhau bem feitos, na hora, estaladiços, convenientes. Há quem desde logo trinque uns camarões ou percebes. Eu sou, o leitor sabe, fanático por percebes; os do Arquinho eram superlativos, carnudos, trazendo o mar para a mesa. Como era à noite, houve quem preferisse um cremezinho de camarão em vez da sopa de feijão que estava anunciada na ementa; mas o leitor sabe o que foi a minha escolha – estava muito, muito boa. Comecei, ali, a ver que tínhamos uma cozi­nheira com mão séria: a D. Lina iria ser uma bênção para o meu estômago, dos bolinhos de bacalhau até à aletria final, ou ao leite-creme queimado (mas a aletria é boa, boa, vão por mim). Entre essas entradinhas e a sobremesa final, o olho cobiçoso do caçador de restaurantes viu passar o tradicional polvo assado no forno, negro, escurinho, cheio de odores pecaminosos; provou o arroz de tamboril - uma garfada saborosa; o peixe ao sal avançava por entre as mesas (robalinho no sal, sim), à mistura com peixes frescos (rodovalho, carapau, goraz, salmonete, lulas, cherne...) e com uns filetes de pescada fresca com arroz de camarão, antecedendo uns saborosos filetes de sardinha – abertos em rigor, panadinhos, muito frescos, que se pediram com arroz malandrinho de camarão. E então vieram os filetes de polvo "com arroz do mesmo": que dizer-te, leitor? Tu sabes. Há coisas que não preciso de escrever, basta enumerar, relem­brar, citar de memória. O resto é dispensável. Está ali, ao canto da sala, o sr. António (Toni) que não nos deixa mentir.

Para quem prefira a carne, as opções são honestas, dentro desta medida: bife do lombo, vitelinha assa­da no forno (com batatinhas no forno e legumes salteados), arroz de pato – e o que houver no dia, como iscas de fígado, tripas à moda do Porto, panadinhos com arroz de tomate. Ao fim-de-semana o Arquinho tem sempre um desses pratos espe­ciais que convém reservar, desde arroz de cabidela até um fantástico cabritinho no forno ou arroz de polvo seco. Tentativas de nos fazer pecar não fal­tam, como se vê. O sr. António e a D. Lina são responsáveis por este quilo e meio a mais que já abati, mas que tentarei recuperar em breve, em próxima visita. E sempre assim.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos Tintos: 72
Vinhos Brancos: 31
Portos & Madeiras: 20
Uísques: 22
Aguardentes & Conhaques: 12
Champanhes & Espumantes: 10

Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Muito conveniente
Preço médio: 25 Euros

ARQUINHO DO CASTELO
Rua de Fuzelhas, 192
4450-683 Leça da Palmeira
Tel: 22 995 15 06
Encerra ao domingo