novembro 18, 2006

Minho tentador

O Panorama, em Melgaço, mereceu este ano pelo menos duas visitas. Vê-se a grandeza do vale, em volta, e o céu ao fundo. A carne é fraca mas a tentação é sublime. Gostei muito.

Bem-vindos os que vêm por bem. Assim devia estar inscrito à porta dos restaurantes que recebem os esfomeados, porque deles é uma parte do reino dos céus, ou pelo menos ligeiramente acima das nuvens, passando da atmosfera à estratosfera. E bem-vindos sejam, também, os que têm paladar, e disponibilidade para provar as iguarias que nos cabem, e sensibilidade suficiente para não desanimarem à primeira. Esses são bem-vindos, tal como os sãos de espírito e os que não são inteiramente magros ou magras, porque nas suas bochechas reconheceremos um sinal de felicidade, uma carne luzidia, um frag­mento de simpatia, uma parte de riso e de bem-aventurança. E bem-vindos são, ainda, aqueles que percorrem mais de uma centena de quilómetros para se sentarem a uma mesa onde aguarda­rão serem servidos e bem tratados, porque sabe­rão reconhecer a bondade e aquela melhor parte do género humano.

Bem-vindos, portanto, aque­les que não têm mais do que uma pequena lista de preconceitos e se mostram capazes de provar, saborear, experimentar, digerir com tranquilida­de e sem mais do que a culpa que em doses nor­mais é dada aos mortais. Bem-vindos, também, mesmo assim, aos que sentem culpa, porque um pouco de culpa amacia o carácter e torna-o mais humano ou, pelo menos, mais repleto da divina imperfeição que se ama ou com que se simpatiza nos nossos semelhantes. Bem-vindos, ainda, os que se comovem com a paisagem, as colinas do Alto Minho, o verde adocicado dos seus rios e a lembrança das suas toponímias, porque quase nenhum dos grandes restaurantes da nossa pro­víncia sobrevive sem a paisagem, a pedra antiga, as toalhas brancas, o sotaque, o vinho da casa, a aguardente do vizinho, o pão do forno, as recei­tas das avós, a luxúria do apetite. E, finalmente, bem-vindos sejam também aqueles que nunca sucumbiram ao pecado da gula ou da curiosida­de, mas que estão preparados para responder ao chamamento e se apresentarão de garfo e faca à mesa, disponíveis para provar Alvarinho, para mordiscar o sável, para molhar a colher num pudim, para sonhar com uma sesta primordial e pacificadora – a todos serão atribuídas as recom­pensas habituais.

E dito isto, que não é pouco, vamos ao Panorama, de Melgaço, que mereceu este ano pelo menos duas visitas para, na época, provar a lampreia (fumada, em patanisca, à bordalesa, mergulhada num arroz sumptuoso), provar o sável (fritinho), provar o bacalhau na brasa em posta alta, genero­sa, triunfal, operática. Dirão que exagero. Que importa, se me soube bem? E, mais: que importa se o exagero tem em si mesmo uma parte substan­cial da verdade? Aproximai-vos e verificai com os vossos próprios olhos e dioptrias apropriadas: pataniscas de lampreia e de bacalhau, arroz de feijão soltinho e malandro, sável de escabeche (per­fumado de vinagre puro), cabrito no forno, lombinho de vitela no forno ou na brasa, rojões à minhota, favas com chouriço e arroz de carne com cogumelos (eu repito, eu repito!), feijão com dobrada, enchidos regionais (chouriça e alheira, muito boas). E, ainda para prolongar a agonia, menciono um leite-creme ocasional e uma boa lista de compotas caseiras, além de vinhos regio­nais de boa escolha – contando com um cardápio minucioso de enofilias depositadas na sua garra­feira. E, se o vosso estômago é suspicaz e gosta de saltitar, optemos apenas pelas entradas variadas da casa, um menu perfeito para quem aprecia petiscar: saladinhas (de ovas, de coelho, de feijão), fritinhos (peixinhos da horta!), grelhadinhos, frios de carnes, queijos, tudo o que a imaginação providencia.

Ide. Tomai a estrada de Melgaço e confiai. É no mercado municipal. Vê-se a grandeza do vale, em volta, ao fundo, no céu. Depois arrependei-vos, porque a carne é fraca mas a tentação é sublime. Gostei muito.

À LUPA
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 93
Vinhos brancos: 40
Vinhos verdes e Alvarinhos: 16
Portos & Madeiras: 12
Uísques: 22
Aguardentes portuguesas: 16

Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: fácil
Levar crianças: sim
Bengaleiro: sim
Reserva: aconselhável ao fim-de-semana
Preço médio: 25 euros
Cartões: V, MB, D, AM

PANORAMA
Rua Carvalhiças, Edifício do Mercado Municipal
4960-535 Melgaço
Tel. 251 410400
Encerra às segundas-feiras

in Revista Notícias Sábado – 18 Novembro 2006