fevereiro 24, 2007

Recordações de Marrazes


Era uma vez no Oeste um restaurante que foi dos primeiros a atrair grandes peregrinações de apreciadores de entradinhas. Regresso a um clássico: o Tromba Rija, perto de Leiria.

Houve um tempo, na história da obsessão por res­taurantes, em que ir ao Tromba Rija, em Marrazes, Leiria, era sinónimo de refeição avantajada. Significava isso, antes de mais, que a mesa estava posta para quem quisesse comer bastante, comer muito, comer bem. Não eram sinónimos mas, enfim, a coisa andava lá perto, uma vez que a quali­dade dos produtos apresentados era satisfatória, quase nunca descia daquele patamar que elevava o restaurante ao pódio das referências.

Era um certo tempo, sim – o Tromba Rija era, no fim de contas, o único "restaurante buffet" de cozinha portuguesa e de produtos portugueses. Antes de che­gar ao seu famoso bacalhau e da sua vitela no forno, o comensal passava pela mesa onde perto de cin­quenta entradinhas aguardavam os apetites mais vorazes. Como o leitor adivinhou, eu gosto da desig­nação entradinhas – faz supor um manancial de delicadezas, de 'petit-fours', de coisas maneiras, de palavras ternas. Com o tempo, a quantidade alas­trou. Contei noventa e oito entradinhas dispostas sobre a mesa: enchidos (paio, chouriços, alheira, farinheira, morcelas, morcela de arroz, lentrisca, bucho, etc.), variadíssimos; carnes frias, bastantes (do presunto ao rosbife); depois, uma sinfonia de pequenos pratos que a nossa tradição não devia per­der – feijão guisado, feijão-frade, pimentos assados, feijoca, favas, peixinhos da horta, coração, rins, tortilha de batata, couve-flor panada, orelha, ovos com espargos, ervilhas guisadinhas, ovos verdes, o rosbi­fe, a salada de polvo, moelas, chispe, rissóis, croque­tes, bolinhos de bacalhau, espinafres com pinhões, coelho estufado, pataniscas, filetes, torresmos, arro­zes, o que se quiser imaginar; queijos, enfim, com mais parcimónia, mas substantivos na sua origem (um ligeiro Serra, um Serpa, um de Nisa e outro de Castelo Branco, São Jorge, uma amostra de Azeitão, picante, em azeite, entre outras variedades dispostas junto dos vinhos).

Essa abundância à mesa é convi­dativa – ou constitui uma fonte de cansaço espiri­tual, uma vez que a enumeração deve ser longa, exaustiva, minuciosa e apetitosa. É coisa suculenta. Uma pessoa serve-se, repete, varia, faz combinações, senta-se, levanta-se, descobre uns ovinhos de codorniz, vê se o abastecimento de rissóis foi mudado e se estes vêm quentes (os de camarão ou os de carne), pica aqui e ali, volta a sentar-se, pede um vinho, debica (o verbo é incorrecto, claro), e aguarda que esteja pronto o bacalhau assado com migas e batatas a murro. É este o programa de uma ida ao Tromba Rija.

Numa noite recente, depois de uma travessia da A8, entrámos em Marrazes. Chovia largamente. O Tromba Rija estava fechado? Não, as portas esta­vam fechadas porque ainda não eram oito horas – deixaram-nos entrar, apiedados em noite de ven­daval. A mesa ainda não estava repleta de "entradinhas" mas elas estavam a caminho - fomos assistindo ao seu gradual aparecimento e devo dizer que é um espectáculo. Na meia hora seguinte, o restaurante
foi enchendo com grupos vorazes, com casais de ar feliz e apopléctico ou com famílias de faces ligeira­mente vermelhuscas, cheias de apetite visível. É bom ver o espectáculo. Um cacharolete de versões instrumentais de George Michael e dos Wham enchia a sala – as empregadas de mesa, simpáticas e com jeitos de "antiga portuguesa", pediam, solícitas e generosas, que não desistíssemos logo à terceira ronda. Repetimos. Ainda esperámos o bacalhau para morder uma lasca, banhada em azeite, e eu levantei-me, cobiçoso, diante do quindim exposto à vista de todos, fatiando-o sem dó nem piedade. Havia ainda formigos, mousses (maracujá e chocolate), farófias, brisas do Liz (excelentes), doces diversos, toucinho-do-céu e papos-de-anjo, aletria e arroz-doce, entre outras amostras.

Há restaurantes onde vamos experimentar novida­des e outros onde vamos possuídos por apetites monumentais. Neste caso, depende tudo da luminosidade do 'buffet'; se lhe agrada o género, tente-se; se acha que um jantar ou um almoço é apenas para petiscar, não vale a pena o esforço. E confie na sorte. Há Tromba Rija em Gaia e em Lisboa, mas ainda não visitei.

À lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 26
Vinhos brancos: 10
Portos & Madeiras: 8
Uísques: 8
Aguardentes & Conhaques: 8

Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar crianças: Sim
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Muito aconselhável
Preço médio: 30 euros

RESTAURANTE TROMBA RIJA
Rua Professores Portela, 22 – Marrazes
Tel: 244. 852 277
Aberto de Sexta a Domingo

in Revista Notícias Sábado – 24 Fevereiro 2007

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