abril 21, 2007

Sabores da pátria


Nas salas do Poleiro, em Lisboa, há um clima de apetite muito adequado.

Escrevo esta crónica rodeado de papelinhos onde tomei notas e quase nenhuma delas me serve para o essencial, que é explicar por que razão se gosta deste restaurante. Ponto um: porque a sua comida é saborosa, suculenta. Ponto dois: porque grande parte dos pratos me reenvia à infância e à adolescência (eu gostava de comer, ao contrário de muitos enfezados). Ponto três: porque muitos ami­gos meus gostam. Às vezes, um destes pontos basta para me aconselhar um lugar e para eu o procurar; de outras vezes, há uma conjugação de factores. Um pouco de cada um.

Mas comecemos pelo princípio. Um dia destes, em Salvador, na Baía, comi dois dos mais perfeitos bacalhaus, que me lembre. Um, no restaurante Amado (que substituiu o velho Galpão, de boa memória), cozinhado em vácuo e em baixa tempera­tura, a lembrar-me experiências excelentes servidas pelo Miguel Castro e Silva, no Buli & Bear portuense, conservando as suas gelatinas, o seu sal miraculoso, as suas fibras; outro, no Gula Santa, arredores da cida­de, onde cada lasca se desprendia suavemente entre películas de alho e perfume de lagosta. Era bacalhau importado de Portugal, e muito, muito saboroso. Eram, pois, bacalhaus cosmopolitas, servidos longe da pátria, no meio de propostas de "cozinha de fusão", ou de risotos magníficos (um de espargos para acompanhar carré de cordeiro, ou outro de lin­guiça paulista com feijão).

Regressado a Portugal, enfrentei a cozinha portuguesa e percebi que, lá no fundo, estava com saudades dela, dos seus fritinhos, das suas migas e arrozes, dos seus grelhados suculen­tos. É o fado, triste sina de estômago habituado ao estômago da infância, rodeado desses sabores que evocam alegrias e melancolias. É isso o meu patriotis­mo, mesmo com excelentes bacalhaus fora de portas.

Pois o Poleiro, em Lisboa, Entrecampos, sugere-me a "pátria culinária": peixinhos-da-horta, sabem como é?, açorda de bacalhau com línguas (as línguas de bacalhau são um petisco formidável e pouco pratica­do, infelizmente, sobretudo nesta variante, panada, rescendendo a limão e alho), pataniscas de camarão com açorda de ovas, entrecosto frito com arrozinho de favas, cabrito com açorda de coentros, barriguinhas com massa (cotovelos, ou manga de capote) cozinhada num saboroso caldinho de feijão encar­nado, sopas cremosas, carnes e peixes grelhados com intensidade, arrozes que valem a pena (o de favas é só um exemplo, mas já lá comi os de feijão, de grelos e de tomate, muito apurados, nada de cal­dos aquosos), as açordas com tomate e alho, os pei­xes fritos.

Tudo isto nem precisa de registo de memória, a acrescentar, como disse, aos peixes grelhados (dourada, linguado, robalo, lulas, garoupa) ou ao linguadinho frito com açorda perfumada de hortelã, arroz de bacalhau, pataniscas de bacalhau, posta de bacalhau frita, arroz de peixe com gambas. Só faltam pastéis de massa tenra neste reenvio à infância (desculpem a insistência), para juntar aos grelhados de carne (bifinhos, entrecosto, cabrito, entrecôte de novilho, espetadas, costela de boi) e outros pratos do dia ocasionais.

Há, nestas salinhas do Poleiro – um restaurante que foi evoluindo ao longo dos anos, passando de pequeno restaurante de bairro para restaurante da cidade, emblema da gastronomia regional portu­guesa e repouso de clientes irredutíveis (como aqueles meus amigos portugueses que vêm do estrangeiro e não se sentem em casa antes de irem ao restaurante que os pacifique e lhes carimbe o visto de entrada no passaporte) - um clima de ape­tite muito adequado; à hora de almoço, mais agita­do, mas nem por isso ruidoso; ao jantar, muito mais tranquilo e familiar, sem carros com motoris­ta à porta (um flagelo destes dias).

Esqueço-me sempre das sobremesas porque, muitas vezes, não vou aos doces – mas recordo-me de uma carta de vinhos completa, onde, infelizmente, os preços são os que são. No restante, somos bem rece­bidos, mas sem aqueles cuidados que se reservam aos clientes da casa, mais frequentes e que nem pre­cisam de abrir o cardápio.

À lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 82
Vinhos brancos: 35
Vinhos verdes: 10
Aguardentes & Conhaques: 16
Portos & Madeiras: 11
Uísques: 18

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: Difícil (existe parque nas proximidades)
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: Não
Reserva: imprescindível ao almoço
Preço médio: 30 euros

O POLEIRO
Rua Entrecampos, n.º 30 - A
1700-158 Lisboa
Tel: 217 976 265
Encerra aos domingos

in Revista Notícias Sábado – 21 Abril 2007


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