maio 12, 2007

Bancada Central


Restaurante, cervejaria, mariscos, cozinha portuguesa, futebol. É todo um programa de vida, no Marquês de Palma, em Lisboa.

Há uma categoria de restaurantes lisboetas que, saudavelmente, misturam a sua condição de cozi­nhas com a de cervejaria, sendo que a cervejaria é razoavelmente ocupada com mariscos — entra­mos e, desde logo, quase todos os sentidos (visão, olfacto, etc., excepto tacto, por razões que a ASAE gostaria de conhecer) são despertos para as suas vitrinas. Ali se apresentam, perfilados e arrumadinhos, os moluscos, os bivalves, os crustáceos e outras classes de frutos do mar, registados como se fosse numa parada militar: amêijoas, mexilhões, lavagantes, lagostins & lagostas, camarões (de Moçambique, de Sesimbra, do Algarve e de Espinho) e gambas, búzios e os nunca por demais lembrados percebes, excelente amostra de mar e do seu aroma. Isso abre, digamos, o apetite.

O Marquês de Palma, a um passo da Estrada da Luz e de Sete Rios, é um desses templos que concilia o seu estatuto de cervejaria com o de restaurante, ou seja, o serviço de "frutos do mar" com as suas magníficas alheiras, o entrecosto de vaca à barrosã (a costela de churrasco, portanto), o cozido à portuguesa e a massada de tamboril. Menciono esses pratos porque são marcas distintivas da casa e também das preferências da clientela. Ali não se conhecem termos como "cozinha de fusão" ou "nouvelle cuisine": há uma recordação elementar da cozinha portuguesa, de fri­tura ou de panelinha, de grelha ou de vapor, mas existe sobretudo uma clientela que revela faces saudáveis e cheias de apetite, com ou sem sobredose de colesterol: tudo o que, portanto, se encaminha na direcção de um estômago satisfeito, de um coração enternecido diante do cardápio onde não falta nada, e de uma cabeça evidentemente liberta da ideia de "dieta de emagrecimento". Tudo isto é um programa de vida e, no nosso caso, um cartão-de-visita.

Os apreciadores de leitão (não me conto, ai de mim, entre eles) gabam o exemplar da casa, mas nunca descobri se é "à Negrais" ou "à Bairrada" — apenas dou conta da sua popularidade. Mas se a posta à barrosã é confortável, só os apreciadores (e conhe­cedores) da sua costela sabem como a que se serve no Marquês de Palma é superlativa; aos curiosos parece­rá ligeiramente rija, a sua carne, mas a verdade é que se trata de uma raridade cada vez mais desaparecida dos nossos restaurantes — vale a pena prová-la. Está também disponível uma vastíssima variedade de carnes na grelha, de picanhas a entrecostos, de entre-cote a escalopes de novilho, e quase tudo é muito aceitável e servido generosamente.

Uma das caracte­rísticas deste género de restaurantes é a sabedoria com que encara o substantivo "acompanhamentos": feijão-verde bem cozido, grelos salteados a gosto, brócolos passados por água fervente (e não espezi­nhados, como é tradição na maior parte dos casos), esparregado de lei. Além de umas batatas fritas finís­simas, estaladiças, que cumprem a sua função. Quanto aos peixes, é como se arrastassem as redes de pesca pelo restaurante fora. A lista é vastíssima: linguados, excelente pescada para cozer (um dos meus prazeres), dourada de mar, robalos escalados, polvo, tamboril, garoupa e peixe-espada. É só chamar pelo nome que eles – os peixes – vêm da grelha, frescos. E, se não vier fresco, é porque se trata de bacalhau, que também se senta à mesa. A massada de tamboril e o arroz de marisco são dois outros momentos da casa. Quanto à massada, eu dis­penso; mas o arroz de marisco é perfumado por varie­dades bem cozinhadas de gamba, peixe, lagosta ou lagostim e merece ser pedido.

Dispenso-me de nome­ar as sobremesas para além do toucinho-do-céu, que me parece muito bom, porque a lista é concorrida. Evidentemente que há, por vezes, uma superpopu­lação de jogadores e dirigentes do Benfica (há uns anos, eram comensais residentes Argel, Giovanni e Petit), mas, distraídos como estão pelo apetite, o leitor pode estar descansado que eles não jogam à bola entre as mesas. Também José António Camacho e Luís Filipe Vieira se encontravam amiúde entre estas paredes (Trappatoni não o vi). Mas vinham para comer. O leitor tome, pois, o seu assento.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 86
Vinhos brancos: 31
Aguardentes & Conhaques: 30
Portos & Madeiras: 15
Uísques: 32
Espumantes & Conhaques: 6

Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: relativamente fácil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 25 euros

MARQUÊS DE PALMA
Rua José Afonso, n.º 4B
1600 Lisboa
Tel: 21 72721 88
Encerra aos domingos. Funciona ininterruptamente do meio-dia até depois da meia-noite

in Revista Notícias Sábado – 12 Maio 2007

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