junho 18, 2007

As fogueiras de Gaza

O Ocidente não aprende – o lado de lá também não. Ninguém está disponível para isso. Os acontecimentos de Gaza deviam ensinar-nos alguma coisa mas há gente que se compraz na contabilidade de perdas e ganhos a propósito de tudo e de nada. Por exemplo: o exercício contumaz que consiste em atribuir culpas a Israel a propósito de todo e qualquer acontecimento que prolongue a crise e a agonia do Médio Oriente. Israel, na verdade, tem algumas culpas nessa contabilidade. Mas é curioso verificar como a imprensa e a televisão estabeleceram os seus silêncios a propósito da recente investida libanesa sobre os extremistas ou como, a princípio, desvalorizaram o ambiente de guerra civil que se estendia da Faixa de Gaza à Cisjordânia. Por uma razão: Israel estava apenas longinquamente envolvido. Se não era possível colocar toda a pressão em Jerusalém e Telavive, a imprensa desinteressava-se – não sendo possível atribuir culpas a Israel, nenhuma “cobertura dramática” se justificava, nem os “jornalistas” do costume estavam interessados em manipular imagens, distorcer factos ou inventar personagens.

Eles que morram, portanto. Na verdade, os palestinianos nunca foram assim tão importantes. Manipulados e servidos como carne para canhão na indústria do islamismo radical e do pan-arabismo, os palestinianos foram um argumento para atacar Israel. Há alguns factos que vale a pena relembrar, mas sobretudo o essencial: quando a ONU determinou o estabelecimento de dois estados na região, um israelita e outro palestiniano, foram os estados vizinhos que o impediram – na verdade, a invasão de Israel pouco depois da declaração de independência, em 1948, resume bem o sentido desse conjunto de factos desordenados pela história. Pouco importavam os palestinianos e o seu Estado. Aniquilar Israel era o primeiro dos objectivos. Foi-o durante a Guerra dos Seis Dias e foi-o na do Yom Kippur, tentativas de cumprir esse objectivo e que apenas transformaram Israel numa potência militar regional, não conseguindo no entanto impedir que o país continue a ser uma democracia liberal – e, felizmente, cada vez mais laica no futuro.

Os acontecimentos que durante a semana passada transformaram Gaza (que Sharon desocupou, tal como tinha, antes, desocupado os territórios do Sinai, capturados na sequência da agressão egípcia na guerra do Yom Kippur) numa dependência do extremismo muçulmano, podem ser analisados do ponto do vista do equilíbrio de forças no Médio Oriente, como uma espécie de sinal emitido pelo Irão. Mas a ocupação e pilhagem da casa de Yasser Arafat e a comemoração do feito transmitida pelas televisões constituem uma imagem inesperada, patrocinada pelo Islão radical e anunciada várias vezes por Mahmoud Ahmadinejad. Condenando Arafat a inimigo póstumo, sitiando os territórios de Gaza e da Cisjordânia, o islamofascismo do Hamas visa mais longe, repetindo a história e impedindo qualquer forma de diálogo entre os palestinianos e Israel. Esse é o objectivo principal.

Evidentemente que não faltam, já, os discursos “compreensivos” para com a barbárie institucionalizada pelo Hamas – à falta de culpas a atribuir a Israel (elas virão, elas virão), inventa-se um tom muito etnológico para condenar as execuções sumárias cometidas pelo islamofascismo e a tentativa de transformar Gaza numa plataforma incendiada pelo radicalismo.

O problema é que tudo isto estava há muito escrito e previsto. O pobre Ocidente vive aterrado pelas suas culpas e permanentemente desejoso de dormir com o inimigo. Agora, o inimigo está às suas portas, mas os seus pequenos cérebros estão ocupados com coisas superlativas. Quando Gaza for transformada num Afeganistão em miniatura, voltarão a atribuir culpas a Israel, o que os deixa sempre felizes e realizados.

in Jornal de Notícias – 18 Junho 2007

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