junho 25, 2007

Todos podemos ser filmados?

Um jornalista do “Jornal de Notícias” foi visto a participar numa manifestação na Baixa do Porto. O facto não seria em si mesmo um “acontecimento”, se não se observassem dois pequenos pormenores na vida da cidade e no relacionamento entre a Câmara Municipal do Porto (CMP) e a imprensa. O primeiro deles tem a ver com o modelo de gestão do Rivoli e com a chamada “política cultural” que a CMP adoptou para a cidade; o segundo, com a ideia, mantida pela CMP, de que está a ser perseguida pela imprensa em geral e pelo JN em particular, numa espécie de conspiração aberta, mas cujos sinais devem, em seu entender, ser permanentemente descodificados.

O modelo da “política cultural” municipal poderá ser discutido no conjunto do modelo mais geral que Rui Rio defende para a cidade e que foi escrutinado pelos eleitores, que lhe deram um segundo mandato. Mas o facto de estarmos diante de um segundo mandato não significa que os cidadãos discordantes devam calar as críticas – sujeitar a nossa opinião ou a opinião alheia aos resultados eleitorais, por muito expressivos que eles sejam, é uma perversão da própria natureza da democracia liberal.

Há uma questão do Rivoli – e da chamada “vida cultural da cidade”. Não é isso que está em discussão. Para a CMP (escrevo isto depois de dedicar algum tempo a apeciar o seu site na internet), existe um problema de legitimidade de opinião daqueles que a criticam – e, mais, a CMP acredita que existe uma conspiração contra a sua legitimidade em tomar decisões. Por isso, serve-se do seu site para tentar “desmontar” todos os indícios dessa conspiração.

Um dos meios de que a CMP se serve é um pequeno filme em que um jornalista do JN aparece numa manifestação realizada no dia da estreia de “Jesus Cristo Superstar”. Este método de argumentar é mais do que discutível. Seria interessante saber se o vídeo em questão foi obtido por algum membro do gabinete da CMP, de modo a ser usado desta forma. Pode a CMP (ou alguém por ela) tomar imagens de vídeo de manifestações, bares, restaurantes, jardins públicos, redacções de jornais, entradas de WC públicos, lojas de lingerie, com vista a alimentar o debate político?

O processo de intenções movido a David Pontes pela Câmara do Porto é absurdo e lamentável. Quero assegurar que, no meu país, David Pontes tem o direito de ir à manifestação contra a gestão de Rui Rio para o Rivoli. O direito absoluto. Seja ele ministro, funcionário da CMP, director-adjunto do JN, secretário de Estado, dirigente da DREN, polícia de giro ou vocalista de uma banda de rock – trata-se de manifestar a sua opinião como cidadão. Não é só David Pontes que tem esse direito. Todos temos. E sem a ameaça de sermos controlados por câmaras de vídeo que verifiquem qual o nosso clube de futebol, a nossa orientação sexual, a nossa vida como cidadãos.

Independentemente da questão do Rivoli, o que está em causa é a incapacidade de a CMP lidar com a opinião contrária. Ter sempre razão, como se sabe, é muito cansativo e demasiado perigoso; normalmente, os meios usados ultrapassam aquilo que é sensato. Filmar manifestantes, por exemplo, pode ser um precedente fatal e constituir um indício do que o poder faria se tivesse oportunidade para nos vigiar totalmente.

A CMP tem toda a legitimidade para tomar as decisões que entende serem as melhores para a cidade; mas deve assumir os riscos inerentes, tem de lidar com as críticas, as manifestações, a oposição da imprensa, a opinião dos jornalistas, o ruído das ruas, as opiniões absurdas. E pode contestá-las. Um mundo em que só os políticos pudessem ter opinião seria muito pobre e muito triste; não porque as suas opiniões sejam más, mas porque têm tendência a serem sempre maioritárias. Eis porque eu, que até acho que Rui Rio tem alguma razão, penso que a perde quase totalmente.

in Jornal de Notícias – 25 Junho 2007

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