julho 09, 2007

Sete maravilhas e muito mais

Proponho ao leitor que relembre a lista das “novas sete maravilhas do mundo” apresentadas anteontem em Lisboa: o Taj Mahal (sem dúvida), Machu Picchu (o meu voto), Cristo Redentor (muito duvidoso), Coliseu de Roma (claro), a Grande Muralha da China (sim), Petra (justíssimo) e Tchichén Itzá (sim senhor). Concordo com a lista, mas não é a minha (retiraria o Cristo Redentor e colocaria a Alhambra, ou as pirâmides de Ghizé ou as estátuas da Ilha da Páscoa, por exemplo). Não foi uma declaração de sábios, de “experts” ou de historiadores – em vez do conhecimento e da ponderação, o que contou foi o acesso à internet ou a rede de telefone. É um critério democrático.

Como foi recordado, das antigas sete maravilhas perdemos seis; guerras, erosão, catástrofes naturais ou acidentes mostraram como o nosso património pode perecer e a nossa memória ficar mais pobre. Além dessas, no entanto, muitas desapareceram por desleixo, por incúria ou por ressentimento. O ressentimento foi a pior das razões (por razões religiosas foram destruídos templos, simples monumentos ou cidades magníficas) e o último dos casos foi a destruição dos budas de Bamyian pela dinamite dos talibãs. Esta eleição permite que se visite e se prolongue a vida destes lugares.

Mas a noite de anteontem serviu também para eleger como “maravilhas portuguesas” um conjunto de monumentos que faz parte da nossa “memória escolar”: Mosteiro de Alcobaça, Mosteiro dos Jerónimos, Palácio da Pena, Mosteiro da Batalha, Castelo de Óbidos, Torre de Belém e Castelo de Guimarães. Cada um desses lugares está ligada a mitos ou factos da nossa história. Há quem não atribua importância ao facto e o situe no campo dos acontecimentos televisivos ou do puro marketing, uma espécie de divisão secundária do entretenimento pela televisão.

Eu não concordo. Sou pelos concursos e pelas listas. Vejo em “eleições” deste tipo virtudes banais e importantes que ocupam o espaço da incúria e do esquecimento. Provavelmente, a escolha pública das “sete maravilhas de Portugal” (onde está a Torre de Belém, a que não acho graça por aí além) chamou a atenção para um género de fortuna portuguesa que seria importante não esquecer. O leitor, habituado à minha rezinguice semanal nesta coluna, há-de estranhar. Mas não estranhe. O meu único argumento contra as “sete maravilhas de Portugal” é que elas deviam ser, não sete, mas cinquenta ou cem. Isso ajudaria a que mais alguns monumentos nacionais fossem visitados, cuidados ou subtraídos ao desleixo que é natural destruir aquilo de que não se fala.

Também acho que devíamos eleger (sim, pela inernet, por ‘sms’ ou por carta) os cem livros essenciais da nossa cultura, as cinquenta canções da nossa história, os cinquenta mais belos fragmentos paisagísticos do país, os vinte filmes portugueses de sempre, os cinquenta pratos fundamentais da nossa gastronomia – tal como se votou nos cem portugueses. Sou pelas listas e pelas nomeações. Elas ajudam a que se fale das coisas que de outro modo se hão-de perder no meio da bazófia do dia-a-dia e da mediocridade da nossa cultura televisiva.

O nosso passado é o essencial da nossa fortuna cultural, do nosso destino. Trata-se de uma memória que não falha. Somos isso, apesar de sermos o que somos. Nada nos prolongará tanto como a preservação dessa memória das coisas que encontrámos feitas e que soubemos usar, transformar ou proteger. O resto (a conversa sobre “a nossa identidade”, sobre o “destino português” e outras larachas) é uma minudência. Seria bom que descobríssemos que não se pode conquistar um lugar no futuro (o que é natural querermos, porque não somos vegetais) se não soubermos prolongar a vida das coisas que nos definem e nos melhoraram a vida – um livro, uma paisagem, uma música, uma comida, um lugar. Sermos portugueses de alguma maneira, portanto.

in Jornal de Notícias – 9 de Julho 2007

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