agosto 18, 2007

Memórias da Foz


O Al Forno é um restaurante simpático e muito recomendável no Porto. A comida tem sabor.

A medida que abrem novos restaurantes cresce o meu pânico. E pergunto-me: e se, um dia, todos os restaurantes são assim? Assim, com quatro linhas de mau português para cada prato do cardápio, com as mesmas reduções de vinho do Porto e balsâmico, com as mesmas camas de palha de batata, as mes­mas terrinas de 'foie gras', a mesma menção às tru­fas e ao lombo laminado? E se os criados ficam todos com aquela mania de atenderem por cima do ombro, olhando de lado se uma pessoa pergunta como é preparada aquela tempura de brócolos picantes, ou meneando-se com trejeitos de varina modernaça se lhes apetece a eles. Nessas alturas, volto a restaurantes de salas antigas, onde cheira a comida suculenta, saborosa, antiga também, conservadora, trazendo a memória de lon­gos estufados, de prolongadas permanências no forno, de marinadas triunfais e vergonhosas.

Muitas vezes (desiluda-se, amigo leitor!), é por causa disso que escrevo – por causa de um aroma que pressenti, de uma memória que reapareceu, de uma imagem que nunca chegou a desaparecer. Outros escreverão porque um restaurante é notícia – e o seu dever é informar. Mas eu não gosto de novidades; não atri­buo vantagem alguma a uma coisa nova só porque é uma coisa nova. Sou como os meus restaurantes preferidos: têm qualquer coisa de passado. Como acontece, aliás, com as minhas preferências acerca da cidade do Porto – gosto dos bairros que têm qualquer coisa de passado, uma lembrança, um jogo de bola no meio da rua, uma história (dessas, deliciosas, que podiam ser contadas num livro de Germano Silva), uma calçada onde passei um dia, um beco (daqueles, de Massarelos), uma imagem do meu rio. Um dia destes lembrei-me do Al Forno por esse motivo. Minto, ao dizer que me lembrei do Al Forno, um pequeno restaurante ao lado da Igreja de S. João, na Rua do Adro, na Foz; do que eu me lembrei foi de um 'spaghetti nero' com mexilhões (ou seria o 'taglionini nero' com camarões?) e, logo de seguida, de um bife com pimenta que comi com 'tagliatelli', já lá vão anos. E, já lá indo anos, não daria tempo para recordar os 'carpaccios' iniciais (carne, bresaola, salmão, espadarte) que se provam com os pães e a 'bruschetta' da casa, juntamente com a beringela com queijo gratinado e tomate.

Antes, muito antes, de as burguesias nacionais desmaiarem diante de massas negras, com tinta de choco, acompanhadas de salmão fumado para se envolver com um denso molho de natas, já o Al Forno, como eu disse, apresentava a sua ementa com uma excelente 'pasta nera', ou com mexilhões ou com camarões, sem falar de uma prova excelente de 'ravioli' com espinafres e 'ricotta' que, sendo outra das explosões gustativas das burguesias do gosto, não desmerece da arte, já que há massas frescas no restau­rante, e bastantes. Naquele tempo, a minha filha era ainda muito pequena e acabámos (os dois) por nos sentar diante do bife no forno com azeite, alho e louro em molho de carne e vinho. Estava supimpa; generoso e pingando sobre as batatas gratinadas e espinafres, que o acompanhavam. O facto de ter sido cozinhado no forno não o fez perder as qualidades essenciais, antes se aproximando de um rosbife em miniatura. Boa prova. Como as massas eram muito boas, caseiras, robustas e variadas, ainda provámos uns 'linguini alla putanesca', porque é nos exemplos populares que se comprova se a cozinha é, ou não, capaz de dar com o problema. Um amigo nosso, recusando o bife no forno, optou naquele dia por um cabrito no forno, que parecia feito à medida.

É evidente que, nesta lista, ainda não mencionei as 'pizzas' que o Al Forno sugere, fazendo jus ao nome – mas eu temia começar por aí. A 'pizza' é comida rápida em Itália e em qualquer parte do mundo, o que não significa que não se coma. Mas, como compreendem, às vezes é caso de parentes na lama. No Al Forno há forno sério e, portanto, há 'pizzas' que parecem sérias. Há gente que gosta, eu dou notícia disso, mas não me peçam mais. A seguir, e porque a lista de vinhos é boa, vem o tiramisú, que é bom, realmente bom, embora a mousse de chocolate deva receber aplausos. A carta de digestivos pareceu-me também de realce, mas fui dar um pequeno passeio em redor, para acalmar o estômago, que se julgava em casa. Melhor elogio não me parece.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 85
Vinhos brancos: 36
Espumantes & Champanhes: 6
Aguardentes portuguesas: 14
Colheitas tardias e moscatéis: 4
Portos & Madeiras: 10
Uísques: 16

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: fácil à noite
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 18 Euros

AL FORNO
Rua do Adro da Foz, 4
Foz do Douro - Porto
Telefone: 226 173549
Não encerra

in Revista Notícias Sábado – 25 Agosto 2007



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