setembro 08, 2007

Tradição na Horta


Na Horta dos Brunos, em Lisboa, respira-se um ambiente saudável cheio de estufados, comida de forno e grelhados.

Num destes domingos olhei bem para a barriga; é uma coisa que normalmente só podemos fazer ao espelho. Poderia dizer "olhei para o estômago", mas não era – tratava-se, mesmo, e fraternalmente, da barriga. Promontório abdominal, extensão da cintu­ra, excrescência pneumática, o que quiserem que seja. Mas eu olhei foi para a barriga e disse: amanhã começo uma dieta, comerei cereais ao pequeno-almoço, daqueles que prometem milagres.

Eu expli­co: o pequeno-almoço é a minha refeição essencial, o meu primeiro sinal de vida útil, o reconhecimen­to de que o mundo existe. Pão de centeio barrado com manteiga magra e café, seria assim no máximo. Comerei grelhados ao almoço e apenas uma salada para acompanhar. Jantaria fruta e qualquer legume cozido. Hei-de caminhar uma boa hora entre as nove e as dez da noite e fecharei a cozinha à chave depois de jantar. A minha vida mudará, serei con­fundido com Sean Connery daqui a alguns anos, mas com mais cabelo, muito mais.

Assim foi. Empadas de galinha ao pequeno-almoço juntamente com um ovinho mal frito e uma torra­da suculenta – adeus. Chá verde na hora. Com ado­çante de zero calorias.

Ao almoço combinei encontro com um dos meus filhos: duas magras fatias de rosbife e uma salada; resisti ao pão (ao longe!) e a uma patanisca, não comi sobremesa (ainda me tentei por uma manga, mas já tinha a minha conta), enquanto ele devora­va medalhões com molho à café. Ao jantar, fui fru­gal. O suficiente. Tive fome de noite; roubei um iogurte ao cantinho que a minha filha reserva no fri­gorífico. Tinha bifidus activo, que me pareceu uma cousa supimpa.

Muito bem. Depois, tive de trabalhar e entrei na Horta dos Brunos convencido de que a designação "Horta" iria enganar a minha consciência, mas ela lembrava-se de momentos passados: da mesa de entradas, por exemplo, onde somos assistidos por saladinhas de pimentos, de ovas, de polvo, de favas com chouriço, de feijão-frade com atum ou de coe­lho de vinagrete, além de rodelinhas de farinheira frita. Pequei, confesso que pequei; aquele mundo de um total de dezoito entradas comoveu-me e fez-me descer ao purgatório. À minha volta havia gente com apetite, respirava-se um ambiente saudável cheio de estufados, comida de forno e grelhados de pingue. Ao almoço, gente dos escritórios, dos con­sultórios (havia uns médicos, na mesa ao lado, que propunham trocar Lorenin por pequenas pílulas de açúcar, com a promessa de obterem os mesmos efei­tos), gente das administrações que ainda não foi convertida à cozinha de fusão, gente que ainda não foi acometida de acidentes gástricos e que sorri, com subtileza, ao ver passar pratos cheios de promessas devassas. Por exemplo, o arroz de tamboril, que era prato do dia, e que me fez reparar num dos pratos do meu passado – as lulas da Horta dos Brunos. Mas era dia de cabrito no forno, em dose generosa, com batatinhas farinhentas e tiras de pimento, excelente, suculento, saboroso. Havia costeletas de borrego, de cordeiro e de vitela, saídas da grelha; lombo e naco de vitela, posta mirandesa, os exóticos safarros de cordeiro, para não falar – mas falemos! - do bacalhau à lagareiro, da cabeça de garoupa cozida ou grelhada, das douradas (honestamente etiquetadas como "de aquicultura" ou "selvagem," com uma diferença de dez euros no preço do quilo), das massadas de peixe (tamboril sobretudo) e de bacalhau, e de uma secção destinada ao porco preto, composta por entrecosto, plumas, secretos e presas, à qual falto sempre, em protesto (falarei do assunto na próxima semana). É comida tradicionalíssima.

As lulas são altamente recomendáveis; o cabrito no forno é muito, muito bom. O morgado, doce fantás­tico; a mousse de chocolate tem matéria romanesca e é semigelada. Que vá. O almoço terminou (durante ele bebeu-se vinho a copo, um 'Passadouro' que me relembra os socalcos do Pinhão) com café e uma pequena prova de whiskies. Primeiro, um 'Lagavulin' daqueles brutais, de 1990, com dupla maturação (44% álcool, aceitável), para nos ensinar o que é a turfa e a importância dos cascos de carvalho Pedro Ximénez; depois, um ‘The Arran', de 10 anos (46% de álcool, sempre a subir), puro malte, suavíssimo; final­mente, um soberbo 'A'Bunadh', mais malte irrepreen­sível (59,9% de álcool, meus amigos), capaz de dar o alarme em todas as delegações da ASAE. A conta é puxada, e tem prévia negociação com o Sr. Pedro Filipe, um descarado. Assim vai a minha dieta.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 90
Vinhos brancos: 46
Portos & Madeiras: 12
Aguardentes & Conhaques: 20
Uísques: 28

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 35 Euros


RESTAURANTE HORTA
Rua da Ilha do Pico, 27
1000-169 Lisboa (Estefânia)
Tel: 213 153421
Encerra aos domingos

in Revista Notícias Sábado – 8 Setembro 2007