outubro 13, 2007

Lua cheia


O Mezzaluna é um dos bons restaurantes italianos de Lisboa. Gentil, bem-educado, 'cool', com talento e respeito.

Já se sabe que não sou fundamentalista à mesa; apenas mantenho os princípios que me parecem ser os mais agradáveis. Deixem-me ser um nadinha "autobiográfico": um desses princí­pios a que não ligo tem a ver com a presença do vinho à refeição. Por exemplo: sentemo-nos diante de um bacalhau com grão. "Vai tomar vinho, evidentemente." Ou prostremo-nos, em adoração, diante de um cabrito no forno, um dos pontos de excelência da nossa cozinha: "E o vinho, tinto, vai ser qual?" Não mencionemos, já, esse truque de nos ofere­cer vinho tinto como se fosse o único que exis­te (sabemos, "vinho é tinto", frase fantástica num país que já produz muito bons vinhos brancos). Ora, independentemente do gosto por vinhos, acontece comigo que a comida ita­liana, ou as pastas, sobretudo, me levam a beber vinho tinto. Há entre uma coisa e outra uma ligação certamente fortuita na minha memória visual ou gustativa (e que suspeito que tem, também, a ver com o cinema), que me leva a associar um vinho tinto para as massas suculentas.

No Mezzaluna caí na tentação – e fiz bem, porque as massas são boas, porque a cozinha não tem arrebiques nem arrogâncias, porque o ambiente é bonito, porque, enfim, se come muito razoavelmente e porque, ao conhecer esta cozinha, somos transportados para o universo de um 'chef pouco pretensioso, viajante, com raízes napolitanas e nova-iorquinas (entre Itália e Long Island), capaz do mais simples e do mais atrevido. Não há, na verdade, muita complexidade – basta qualidade e espírito crítico, inteligência e atrevi­mento. São esses factores que estão presentes na escolha ou do 'penne' com 'radicchio', alho, porco preto e vinagre balsâmico, ou da incursão lusitana da farinheira que recheia as coxinhas de frango.

A generalidade dos cozinheiros estran­geiros tenta sempre uma aproximação à cozinha portuguesa, o que resulta muito bem quando se trata de provar o cosmopolitismo da nossa cozinha "mais mediterrânica", ou mais vinda do sul; Michele Guerrieri abstém-se de dar lições nessa matéria, preferindo deter-se na vasta gramá­tica, também ela mediterrânica e levantina, da cozinha da sua infância e adolescência, com a contribuição do talento para inventar e dispor os ingredientes. Tanto nos rolinhos de beringelas recheadas com queijo como nos 'penne all’ arrabbiata' com cogumelos se nota essa fusão (essa sim, verdadeira fusão) entre a memória e a experiência, entre o cânone e a vontade de agradar sem fugir à obrigação de uma cozinha séria, feita de alguma exigência. Já dei exemplos dessa simplicidade e desse talen­to – para mim, o suficiente. Mas convém recitar mais um pouco dessas sugestões do Mezzaluna, como as folhas de alho francês recheadas de morcela de arroz, mozarella e tomate com grelos salteados, o peito de pato com molho de ameixas, a costeleta no forno, os medalhões de lombo, e os excelentes risotos, que recomendo; alguns deles são um primor de preparação e de condimento, de textura e daquela pastosidade cheia de pecado, queijo e tentação (peça aqueles que mais vão com o seu estômago e paladar, e não se arrependerá). Os risotos permitem inven­ções quase delirantes (recentemente, no Fasano, em São Paulo, assisti ao delírio de uma carta que apresentava exemplares de abóbora com lingui­ça, de feijão com fios de carne-de-sol, ou de espi­nafres com enchidos do Venetto, todos eles exce­lentes).

Finalmente, duas palavras para o essencial da sala, não sem mencionar uma carta de vinhos plausível e correcta, e uma lista de sobremesas onde o chocolate e o tiramisu se podem aplaudir. A sala é simples, como a cozinha do Mezzaluna; e, tal como a cozinha do Mezzaluna, é bonita, 'cool', de tons suaves, e apetitosa. Depois, a clientela é vasta; às vezes, não merece o lugar, porque pode ser ruidosa. A culpa não é de Guerrieri nem do Mezzaluna, mas da cidade, que é assim. Vale a pena o sacrifício.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 64
Vinhos brancos: 23
Colheitas tardias, moscatéis e aperitivos: 8
Portos & Madeiras: 20
Uísques: 14

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: necessária
Preço médio: 25 Euros

MEZZALUNA
Rua Artilharia 1, n.º 16
1099-061 Lisboa
Tel. 21 3879944
Encerra aos domingos e sábados ao almoço

in Revista Notícias Sábado – 13 Outubro 2007


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