novembro 10, 2007

A bola que não entra

1. Cheguei ao Rio de Janeiro com chuva, vindo das montanhas de Minas Gerais, farto de literatura e com fome de futebol. Num debate sobre literatura, em Ouro Preto, contracenei com Tony Bellotto, autor de saborosos romances policiais com o detective Remo Bellini; além de escritor e cineasta, Tony é guitarrista da minha banda histórica do rock brasileiro, os Titãs – e marido de Malu Mader. No meio do debate servi-me de uma golpe baixo, totalmente sem “fair-play”: disse-lhe, baixinho, que o Flamengo tinha sofrido o terceiro golo do Cruzeiro. Sabem como se desmoraliza um companheiro ao nosso lado? Assim.

2. Portanto, o Rio. Uma coisa é a chuva, torrencial, forte, amena, tépida. Outra, diferente, é a chuva no Rio de Janeiro, que cai a pedir desculpa por cair, escondendo uma parte da cidade – a minha preferida parte da cidade, aquela campânula em redor da Lagoa. Mesmo assim, procurando uma televisão, cheguei a tempo de Tarik fintar a defesa do Marselha e marcar sem deixar dúvidas; às vezes acredito que o destino é mesmo assim e que um golo destes teria de esperar por mim. Esperou. No dia seguinte, ao mostrar o golo na ESPN-Brasil, um comentador dizia: “Aí vai ele, Sektoui tem intimidade com a bola.” É. Há golos que redimem um jogador e convocam os aplausos da multidão. Na semana seguinte, veremos.

3. E há jogadores que devem continuar a merecer aplauso: Lisandro marcou naquele cantinho, ensinando o caminho à bola, empurrando-a sem remorso.

4. Outro jogador que merece aplauso: Quaresma. Há quem ache que o miúdo merece reclusão; não concordo. Em campo, Quaresma é Quaresma. Dos seus pés saem bolas que parecem sabres sobre os exércitos adversários, mesmo que os míopes não vejam. Jesualdo faz bem em mantê-lo no onze.

5. Os dois golos de Liedson (e algum do trabalho do meio campo do Sporting) mereciam outro resultado final no confronto com a AS Roma; tenho simpatia pela manha de Liedson, aquela matreirice, coisa de malandro frágil e faceiro, como num samba. Ele é magrinho e saltitão, lembra-me às vezes o Zeca Pagodinho: um artista sem moral nenhuma. Mas a verdade é que alguns sambas de Zeca Pagodinho me deixam à beira das lágrimas, mesmo não sendo um sentimental. Se eu fosse sportinguista, também ficaria assim.

5. O Benfica foi derrotado pelo Celtic o que deu mais uma oportunidade para Camacho desenvolver a sua teoria sobre futebol. “Perdemos, mas podíamos ter ganho”, disse o espanhol. Voltou a doutrina sobre “a bola que não entra”. Cada mau resultado do Benfica deixa, assim, de ser um problema futebolístico para passar a ser uma questão metafísica. O Benfica teria ganho uma série de jogos se não fosse a bola, esse estorvo.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 10 Novembro 2007

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