novembro 26, 2007

Orgulho hetero, orgulho gay

A cerveja Tagus lançou uma campanha publicitária intitulada “Orgulho Hetero” para dar mais visibilidade à sua cerveja. Pessoalmente, tanto me faz que seja heterossexual como homossexual ou bissexual, desde que seja uma cerveja aprazível – o resto é publicidade. O que a campanha “Orgulho Hetero” retoma é o lema “Orgulho Gay”, tentando criar a ideia de uma cerveja para machos. Erro crasso. Como oportunamente lembrou o blogue “A Causa Foi Modificada”, hetero que é hetero não menciona o facto; limita-se a nem falar do assunto.

De resto, as imagens da campanha da Tagus são tendencialmente idiotas, mantendo-se, no entanto, ligeiramente atrás das escolhidas pela Juventude Socialista para dar conta dos grandes progressos nacionais: aparece (o leitor já viu o cartaz?) um rapazola com ar imbecil rodeado de duas teenagers igualmente dignas de fazer os coros de um cantor de feira, loira e morena (para não ofender ninguém). Este escalar do mau gosto é um prenúncio de que raramente saímos do inefável “reino da estupidez”. A Juventude Socialista que se cuide enquanto as atenções estão centradas na campanha da Tagus, cujo conteúdo foi ontem inexplicavelmente retirado do seu site. Seja como for, a ideia era criar “o primeiro espaço dedicado à causa heterossexual em Portugal”, onde era suposto “conhecer pessoas do sexo oposto, trocar experiências e divertir-te”. Idiotice pura. Já o disse: hetero que é hetero não anda em paradas hetero. Isso é coisa para exibicionistas e forcados com problemas de identidade.

O mais importante, no entanto, não foi a campanha propriamente dita, mas a reacção que motivou, chegando ao cúmulo de ver o meu amigo João Teixeira Lopes escrever que a cerveja Tagus se tornou “um signo do poder homofóbico”. “Quem a beber é cúmplice.” Os sites LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) trabalharam bastante, assinalando a concordância de género e número entre a expressão “orgulho hetero” (que foi associada a “opressão e discriminação”) e ódio não sei a quê, mas sobretudo a lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Não me parece. Parece-me, antes, que a campanha publicitária não é escandalosa, nem ofensiva, nem homofóbica. Fica na memória pelas más razões, mas eu não a subscreveria nem imaginaria. Simplesmente, a reacção indignada, quase histérica e cheia de exageros, acusando-a de homofóbica, é mais ridícula do que a campanha propriamente dita e configura uma patrulha sobre toda e qualquer linguagem, engrossando a classe dos coitadinhos e das vítimas de tudo e de nada.

Essa patrulha ideológica, vigiando cada distracção, cada frase mal pronunciada, cada piada ou anedota, cada opinião, cada divergência, cada afrontamento, cada violação das regras linguísticas do “politicamente correcto”, é que me parece contraproducente. O ar escandalizado e beatífico com que se condena o humor ou as falhas de humor e se politizam coisas tão banais como uma cerveja razoável, são um sinal dos tempos. Afinal, que mal há na declaração ou na reivindicação de “orgulho hetero”, à parte a irrelevância do próprio conceito?

Como assinalou João Gonçalves no seu blogue “Portugal dos Pequeninos”, “quem é verdadeiramente livre, não tem de se ‘orgulhar’ ou de pedir desculpas por tudo e por nada. E, no limiar do ridículo, de facto a melhor resposta a um ‘orgulho homo’ é um ‘orgulho hetero’.”

Andamos vigiados. Precisamos de contar anedotas sobre brancos, pretos, judeus, muçulmanos, gays, machos, mulheres, loiras, morenas, católicos, papas, padres, rabinos, alentejanos, açorianos, portuenses, lisboetas, o que for. Para ver se somos gente normal. Ou se só copiamos os estereótipos politicamente correctos.

in Jornal de Notícias – 26 Novembro 2007

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