dezembro 31, 2007

O regresso da Santa Aliança

Finjamo-nos de desentendidos e de inocentes e agradeçamos a Luís Filipe Menezes o facto de ter lembrado um dos pactos obrigatórios que tem vindo a garantir a existência do Bloco Central. Com aquela candura fingida que usa nas suas declarações, o líder do PSD lembrou que estava decidido dividir, entre os dois maiores partidos do regime, o Banco de Portugal e a Caixa Geral de Depósitos. Convenhamos que não é exactamente assim. O bolo a repartir não eram as instituições, propriamente ditas, mas sim as suas presidâncias. Há uma diferença, evidentemente, mas agora sabemos que o pacto existia, e isso é importante.

Finjamo-nos de ainda mais inocentes (como se a candura de Menezes não nos impressionasse), para nos perguntarmos se é mais importante ter um representante partidário na presidência de cada um dos bancos do regime, ou, pelo contrário, colocar lá gestores acima de toda a suspeita.

Estes pactos não são originalidade portuguesa; existem como um contrato subterrâneo em vários países onde o Estado desempenha um papel essencial na economia. Mas a reivindicação desse pacto, da forma pública e cândida como Menezes a mostrou, é que parece uma novidade. Parece – mas não é. Os cargos públicos são normalmente distribuídos como uma espécie de garantia da sobrevivência do Bloco Central, o político e o dos interesses.

Simplesmente, é tal a conivência entre aquilo que devia ser o debate político, e o que se tem visto ser a lógica dos interesses do “centrão”, que já não há diferenças entre uma coisa e outra. Ou seja, para o que nos interessa: a política morre às mãos dos interesses dos dois partidos do regime. Para quem pensava na política como uma arte nobre, um lugar de debates, um território de causas e de ideias – o retrato não é edificante.

Isto acontece, não nos esqueçamos, por causa do BCP, o principal banco privado português, a que a lógica de outros interesses conduziu à subserviência e à irrelevância como instituição, a ponto de os seus principais accionistas estarem dispostos a entregar a sua direcção ao presidente da CGD, positivamente conotado e ligado ao PS. Convenhamos que não é exactamente assim: não foi o Estado nem o governo (entidades misteriosas que se confundem cada vez mais, à boa maneira latino-americana) que impuseram o presidente da Caixa ao BCP. Foram os accionistas do BCP que, manietados e cercados (pela ameaça de investigações policiais, pela descoberta de fraudes e de manipulação, pela evidência de actos de gestão que podem ser criminalizados), recorreram ao presidente da Caixa, convidando-o a livrarem o banco de mais trapalhadas. Em outros países, um convite desta natureza seria amplamente discutido. Em Portugal é apenas o sinal de um “capitalismo menor”, subserviente e incapaz de existir sem os favores do Estado, colocando-se sempre a jeito e para melhor absorver favores, simpatias, influências e até negligências – como a do Banco de Portugal diante das operações irregulares que o BCP terá cometido desde 2000.

O ano termina desta maneira: com o Estado fortalecido e com os cidadãos indefesos. Os interesses dos grupos financeiros coincidem com os interesses do Estado; é uma santa aliança que deixa os cidadãos ainda mais desprotegidos, incapazes de reagir diante do encerramento de centros de saúde e de blocos hospitalares, indefesos diante do autoritarismo da máquina do Estado, abandonados às extravagâncias fiscais, sitiados pela vida difícil que se anuncia para 2008. É nisso que coincidem indecorosamente os partidos do regime, transformados em auxiliares do Estado em vez de se colocarem do lado dos cidadãos. Só isso explica o comportamento vergonhoso de eleitos que não se manifestam e aplaudem tanto o encerramento de hospitais como as perseguições políticas a que assistimos durante o ano de 2007. Estamos bem entregues a esta gente, não há dúvida.

in Jornal de Notícias – 31 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 29, 2007

Revisão da matéria dada

1. Balanços soltos – é a época deles. Vanessa Fernandes, evidentemente, que esteve em todos os palcos. Nelson Évora. José Bosingwa e Ariza Makukula provaram que não é preciso acordo ortográfico para terem nomes destes, portuguesíssimos, na senda do que já demonstrara Obikwelo. É o ano da multiplicação dos nomes. Mas vejam-se estes, de seguida.

2. O de Cristiano Ronaldo, por exemplo. Ronaldo é génio puro, talento, brilho, inocência. No seu pior, desculpa-se em nome daquele sorriso de miúdo. Durante um ano, os “scolarinianos” odiaram-no, porque ele “não jogava para a equipa”, e o mestre (Scolari) chegou a afrontá-lo, dizendo que Nani é que era, Ronaldo não ia lá, era uma criança. É verdade: é uma criança cheia de talento. Odiado porque namorava com loiras exuberantes, porque queria a bola só para ele, porque “não jogava para a equipa” (o Manchester nunca se queixou), porque era preciso invejá-lo e baixar-lhe o nível de brilho – para se parecer mais com a merda do futebolinho luso. Na verdade, ele é o melhor. É uma figura do ano.

3. O do FC Porto, campeão nacional. Contra a “imprensa” desportiva e contra a opinião da larguíssima maioria dos portugueses, o que é saboroso. Se fosse por votos e televotos, o FC Porto seria afastado. Mas futebol é no relvado. Bola mesmo. “Vai buscar” – é a essência do futebol.

4. O de Quaresma, claro. Outro caso de génio puro, de talento, de sabor do risco. Valdano citava-o como capaz de fazer coisas estranhas, próximas do talento puro. Mas Quaresma é um solista notável e objecto de inveja, quando não de racismo, por ser cigano. Trivela é coisa dele.

5. O do Sporting. O Sporting joga, joga, joga – e dá sinais de uma fragilidade que é injusta para Paulo Bento e para três ou quatro talentos do seu balneário. Mas ainda há muito campeonato.

6. O de OPA. Berardo anunciou uma Opa sobre o Benfica. Não resultou mas alguém ganhou com a especulação. Depois, “alguns chineses” iriam fazer uma Opa sobre o Benfica. Não se fez, mas as acções melhoraram a vida de alguém. A CMVM estava onde? Ou ninguém quer o Benfica?

7. O de justiça. O guarda-redes do AC Milan simulou ter sido agredido e foi punido exemplarmente com vários jogos de suspensão por ter encenado aquela pequena tirada de teatro no jogo com o Celtic.

8. Os Lobos, fantásticos – perderam todos os jogos, mas que importa. No mundo do futebol mariquinhas onde todos se magoam e todos aterram no chão, os nossos heróis do “rugby” entraram no Mundial, olharam de frente os All Blacks, fizeram suar os escoceses e provaram era possível. A forma como a rapaziada cantava o hino nacional antes de cada jogo era uma espécie de reabilitação da pátria, medricas e faceira. Tão cedo não os esqueceremos.

in Topo Norte - Jornal de Notícias – 29 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 24, 2007

A hipocrisia que bate à porta

Vamos ao problema, para abreviar. O senhor director-geral da Saúde, Francisco George, ameaçou demitir-se caso “a lei do tabaco”, que entrará em vigor no próximo dia 1 de Janeiro, não seja levada à prática. A ideia é nobre, mas o processo é questionável. Trata-se de uma espécie de chantagem emocional: ou cumprem a lei ou o director-geral da Saúde vai imolar-se, não pelo fogo, mas retirando-se do cargo que tão bem desempenhou até agora.

Digamos que eu aprecio bastante a figura do Dr. Francisco George: ao contrário de muitos dos seus pares, que têm uma tendência evangelizadora e se mostram arreliados com o mundo, o nosso director-geral da Saúde inspira confiança, com a sua barba mal aparada, o seu ar ligeiramente apopléctico, de quem tem uma boa relação com a mesa ou o riso, ou o seu papel desdramatizador várias vezes repetido na televisão.

O meu caso é este: como fumador, apoio a lei. Já a cumpro há muito. Acho, aliás, que esta lei não faz muito mais do que repetir pressupostos e princípios já presentes noutras leis anteriores sobre o fumo em espaço público. Eu também espero que a lei se cumpra e que haja bom-senso e liberdade de escolha.

Acontece que a ameaça de demissão de Francisco George parece bastante – desculpe-me, sr. Director-Geral da Saúde – despropositada. Não sei se leu a reportagem, publicada pelo semanário “Expresso” de há duas semanas, sobre a vida nocturna dos adolescentes, ou seja, de crianças com 12, 13 ou 14 anos (a idade da adolescência baixou um tanto, como se vê). Nada que não saibamos. Simplesmente, escondemos. Muito conveniente esconder esse retrato de rapazes e raparigas de 12, 13 e 14 anos que entram em coma alcoólico, que ingerem “shots” e uísques, que fumam charros, que passam fora de casa as madrugadas até às sete ou oito da manhã. Mas é hipócrita esse silêncio.

Nas semanas mais recentes toda a gente se preocupou muito com a “noite do Porto” e com a violência da “noite de Lisboa”. Mas essa violência é que deveria levar os vários responsáveis públicos a demitirem-se. Quem passa pela rua das Janelas Verdes por volta das três da madrugada vê o espectáculo de crianças alcoolizadas, caídas no chão, embrulhadas em vómito. O Dr. Francisco George deveria demitir-se, isso sim, caso não consiga impedir os “empresários da noite” de vender “shots” a um euro às crianças dessas idades. Isso sim, seria heróico e chamaria a atenção para o fenómeno do alcoolismo nessas idades. São bares e discotecas com polícias à porta para proteger esse negócio fora-da-lei, mas não para prender os proprietários de bares que toda a gente conhece e que “empregam” crianças de 13, 14 e 15 anos como “relações públicas”.

O director-geral da Saúde deveria demitir-se caso não consiga impedir o negócio do álcool vendido a crianças no Saldanha, no Bairro Alto ou em Santos (estou a falar apenas de Lisboa), anunciado em plena rua, perante a indiferença da ASAE e das autoridades que gostam de punir o que é fácil punir, mas que deviam ter dificuldade em olhar-se ao espelho, se tivessem um nadinha de pudor e de brio. Isso sim, seria heroísmo, e eu estaria aqui para aplaudi-lo.

O Dr. Francisco George não acha que isto é um problema de saúde pública? Eu pagaria uma multa se fumasse num restaurante; mas nada vai acontecer aos criminosos que vendem álcool a esses adolescentes, aos traficantes de “pastilhas” e “bolota” ou “pólen” (ah, não conhecem?) nas escolas e nesses bares, aos criminosos que aliciam jovens para funções de “relações públicas” em bares onde se sabe que há demasiados casos de coma alcoólico, nem aos fornecedores de ilusões (essas sim, verdadeiramente ilegais) a crianças que entram na noite diante do encolher de ombros da Direcção-Geral de Saúde e das polícias. Isso sim, é uma vergonha.

in Jornal de Notícias – 24 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 22, 2007

Ponto e vírgula, o Tejo


De memória, o cronista acha que já chegou mesmo o frio do Inverno. Mesmo assim, o rio é o rio.

O que acaba, acaba – o Outono, por exemplo, para não mencionar desgraças menos ocasio­nais. E os passeios crepusculares junto do Tejo. E o que vai por essa lista fora. Tendo saído recentemente uma edição da "Fisiologia do Gosto", de Brillat-Savarin (tem o prefácio de Alfredo Saramago), entretive-me a anotar pági­nas, a separar citações, sublinhados, devaneios – sabemos tão pouco, distraímo-nos tanto, julgamo-nos tão acertados quando emitimos uma opinião. E, na verdade, se tudo vem em Aristóteles, e se tudo vem em Homero, e se tudo vem no passado, meditemos sobre o refogado, por exemplo - a arte de preparar a cama dos ali­mentos, de os receber com uma breve fritura para realçar as texturas e não deixar que percam substância no seu interior. Coisa tão antiga e tão inovadora todos os dias.

Mas hoje não me puxem pela imaginação, que está pobre. Acontece. Nem sempre o delírio do cronista segue a caminho do restaurante, ou do restaurante para casa, com aquele ademane do toureiro que acaba a 'faena' e não sabe se triun­fou. Ventos há, como escrevia o saudoso Nuno Bragança, que empurram outros ventos, recor­dações, memórias, traições, epifanias. O cronis­ta tem o direito de ser um romântico em busca de redenção e de uma originalidade que não tem a ver com a realidade propriamente dita. Pede-se-lhe rigor absoluto, uma espécie de prática científica, um resto de aprendiz de alquimista ou, pelo menos, alguém que revele os segredos das fusões químicas, mencionando legumes no ponto, carnes suculentas, peixes que permitem conversa. Mas há sabores que nos traem. O de uma terrina de foie gras com queijo de figo, por exemplo, se eu fosse voraz e não pen­sasse noutra coisa. Penso. O VírGula obriga-nos a pensar noutras coisas, mesmo diante do Tejo, seja Inverno ou Verão, haja luz ou neblina: na delicadeza e no prazer.

A mim lembra-me também Agustina Bessa-Luís e um dos seus títulos, ‘Prazer e Glória’, gente que passa e se enternece diante dos choquinhos com raviolli negros, da abrótea arrepiada com xerém de amêijoa, tanto como pode escolher a bochecha de vaca estufada em vinho tinto, com boletos e espargos ou o entrecôte de novilho, milho frito e esparregado. Há, na cozinha do VírGula, uma tentação do abismo que não larga as suas margens, a derradeira amarra que nos impede de sucumbir e saltar das alturas.

O que se pode dizer diante de croquetes de beringela, de queijo da ilha assado com pão alentejano, molho virgem e maçã bravo de esmolfe com cogumelos e espargos, ovo trufado e pata negra? Que de seguida se há-de escrever um soneto, uma alegoria cheia de intuições. As escolhas sucedem-se, a lista é vasta mas con­densa o espírito da própria estação do ano, abandonando pratos frescos e reenviando-nos ao frio do tempo: onde o bacalhau fresco fez as delícias do Verão, há agora costela de leitão com puré de castanhas com aquela massinha de abóbora que se desfaz na língua, na companhia de um dos quase duzentos vinhos à disposição – uma "carta eleita", mais do que uma carta escolhida.

Esperemos pela sobremesa, nem que seja para a citar de memória, a começar pelo fofo de chocolate amargo com maçã caramelizada e gelado de café ou do creme brûlée de abóbora com gelado de nozes e da amostra daquela outra massa, brilhante e sinfónica, dos cinco chocolates disponíveis para a nossa gula, sem vírgula. O parfait de maracujá, provado em outra oca­sião, é excelente.

Depois, vem a visão do rio, espaçoso e livre, cheio de ondulação. A terra equilibra-se, mesmo depois de pagar a conta, porque a experiência foi boa e pecaminosa, cheia de tentações. Muito bem, aplaudo.

À Lupa
Vinhos: * * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 115
Vinhos brancos: 54
Vinhos verdes: 6
Porto e Madeiras: 20
Uísques: 16
Aguardentes portuguesas: 18
Colheitas tardias e moscatéis: 8

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: relativamente fácil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 45 Euros

VírGULA
Rua Cintura do Porto, 16
Armazém B (ao Cais do Sodré)
1200-109 Lisboa
Tel: 21 343 20 02
Encerra aos Domingos

in Revista Notícias Sábado – 22 Dezembro 2007

Etiquetas:

Ir à Madeira para mostrar as mazelas

1. Depois da tentativa ciclística de Lisandro López aos 53 minutos do jogo de ontem con­tra o Nacional, e re­flectindo bem, tentei es­quecer o que viria a seguir. Não porque discuta as dioptrias de Jesualdo Ferreira ao avaliar o modo como redesenhou tarde o tabuleiro deste F. C. Porto, mas porque percebi o que viria a se­guir. O que veio foi o remate de Lipatin, e o 1 -O, no meio de al­guns insultos que enviei a Hélder Postiga. Porquê? Porque as câ­maras de televisão o mostraram. Postiga é um jogador peculiar. Em primeiro lugar, irrita-me. Em segundo lugar, desilude bastan­te. Basicamente, se marca um golo é porque marca um golo; se não marca é porque não conse­gue marcar. Como não tenho propósitos pe­dagógicos posso insultar à von­tade. Ontem foi Postiga. Mas também poderiam ser outros (os buracos de Lisandro, por exemplo), só que não o me­recem tanto. O facto de Quares­ma e Tarik não te­rem jogado não justifica que tenhamos de fa­zer esta pergunta fatal e cheia de más intenções: o que foi Postiga lá fazer? Nada. Moer-nos a paciência.

2. O Nacional fez um bom jogo útil. Ainda an­tes de terminar a partida, eu poderia escrever com à-vontade e tranquilida­de: fez um bom jogo. Imobilizou o campeão nacional, cresceu por duas ou três vezes em contra-ataque, explo­rou as debilidades do meio-campo do F. C. Porto, cresceu com hu­mildade ao longo da primeira parte. Fez bem. Fez o que lhe competia. Não quis ga­nhar por mais porque não pôde. Como não é depreciati­vo ganhar a repolhos co­xos e com pernas, o Nacional contentou-se com a vantagem mínima. Aliás, o festival de bolas falhadas por parte do F. C. Porto não me comove.

3. E agora, a maldade (só agora, notem bem): quando o F. C. Por­to perde desta maneira, notam-se muito bem as suas debilida­des. Porque quando perde, é por falta de brio que perde. Dá pena.

4. Ao fim de quase duas semanas em que não se falava de outra coisa, o Benfica não trouxe Delgado do México. Se fosse qualquer outro clube, coraria de vergonha depois de montar esta "operação mariachi". Como é o Benfica, a "imprensa" des­portiva remata ao lado, ciosa do seu mealheiro. Todos não se­remos demais para salvar o Benfica.

5. E, agora, Paulo Bento suspen­so. A pena não é despropositada, mas revela a pequena pasmacei­ra portuguesa, que permitiu que o processo se arrastasse durante três meses. Ao fim de três meses, a justiça desportiva veio recor­dar-nos o caso (o discurso era equilibrado, valha-nos isso); mas andou este tempo a fazer o quê?

in Topo Norte, Jornal de Notícias – 22 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 17, 2007

O mundo perfeito

O presidente da República sonha, como todos nós, com um mundo perfeito. Por isso, neste fim-de-semana, não só defendeu que os governantes devem ouvir o povo (está em causa a relação entre o Ministério da Educação e os professores), como insistiu que os problemas da educação não se resolvem com a baixa dos critérios de exigência e rigor na avaliação. O exemplo da matemática serviu-lhe que nem uma luva: “A resposta a esse problema não pode ser a desculpabilização do insucesso nem tão pouco dizer que a matemática é fácil e divertida.”

Em linhas gerais, é esse o caminho que tem sido seguido: ou se alargam as estatísticas para servir os propósitos de “inclusão”, ou se alargam os métodos para que todos brinquem na sala de aula e ninguém se aborreça. É um método conhecido de todos os que se interessam pelas coisas da educação. Se as notas andam muito baixas, levantam-se as médias; se os alunos não se interessam, aligeiram-se os conteúdos e introduz-se a variante “divertimento na sala de aula”. E o mundo ficaria muito mais perfeito.

O governo tem, como todos os outros, os anteriores e os que lhe seguirão (lamento informar o senhor primeiro-ministro, mas haverá mais governos depois deste), um problema com as estatísticas. Geralmente, e muito surpreendentemente, as estatísticas atrapalham os números e, sobretudo, os bons números. Um dos processos para contrariar esta desobediência das estatísticas é o de impedir que elas “excluam”; pelo contrário, devem “incluir”. Se há notas muito negativas a matemática, ou a, digamos, física-química, um dos processos que pode ser usado é o de subir as notas ou moderar os critérios de classificação. Logo, fica muito mais gente “incluída” e as estatísticas melhoram. Se há “abandono escolar”, acabar-se com os chumbos por faltas pode ser um processo “facilitador”.

Acontece que o papel das autoridades não é o de serem “facilitadores” de coisas que não podem ser facilitadas, sobretudo quando são exaradas lá do alto, dos corredores do Ministério da Educação. Uso a palavra “corredores” porque qualquer responsável do ME sabe que se trata de um labirinto onde tudo se perde.

Os pais sabem, às vezes tardiamente, os bons professores sabem, por muitos anos de experiência, que “facilitar as coisas” pode mostrar um mundo perfeito. Mas o mundo perfeito não existe. Eu entendo bem os pedagogos visionários e utópicos, que prevêm que com divertimento e tolerância tudo se arranja e o mundo ficará melhor. Mas não fica. Não vai ser. Pensamos que basta dar o exemplo, ler, ouvir música, usarmos computadores, sermos tolerantes – e generosos, educados, prestáveis, interessados. Com isso o mundo seria melhor. Mas não basta, infelizmente não basta. Com isso, os adolescentes das escolas seriam pessoas melhores, não usariam aquela gramática de grunhos, não faltariam às aulas, não desdenhariam dos professores que se esforçam e lhes ensinam a diferença entre o culto e o inculto, o cru e o cozido, o bem e o mal. O mundo seria perfeito. As famílias seriam honradas, pacíficas, passeariam ao domingo, fariam piqueniques, todos ajudariam a arrumar a cozinha e dormiriam a horas. Os nossos filhos leriam Dickens e Eça – ou, na pior das hipóteses, arrumariam os livros nas estantes. Interessar-se-iam por ciência e por política. Eu bem os entendo – mas não basta. É muitas vezes necessário ser cruel, usar a autoridade quando não se quer, dizer “não” quando até poderíamos dizer “sim”, pensar no que significa, de facto, a palavra exigência. A vida não é fácil. Não nos basta sermos o que somos. É preciso pensarmos nisso – que a vida não é fácil e que apender exige esforço. A democracia, que transformou as escolas em “estabelecimentos de ensino”, como se fossem “lojas do cidadão”, tem de resolver esse problema. Para ver se a escola volta a ser escola.

in Jornal de Notícias – 17 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 15, 2007

Saudades do Brasil


O cronista, quando se lhe fala do Brasil, tem um problema: escreve, escreve, escreve...

Deviam proibir-me de escrever sobre o Brasil, porque uma comoção qualquer toma conta de mim e a idade não perdoa. Desculpem a formulação, mas é assim. A comida brasileira é uma dessas alíneas, uma espécie de pequena explosão que invoca coração, estômago, dedos, papilas, memória, o que quiserem – mas é a conjugação desses factores que deixa ferver a imaginação.

Recentemente, fiz uma incursão pela comida minei­ra, justamente numa das suas capitais, a vetusta Ouro Preto (se bem que em Tiradentes exista uma das maiores concentrações de excelentes chefes por metro quadrado). Foi um festival absoluto, com o simples frango com quiabos; a monumentalidade do tutu de feijão (que não é apenas paulista) e do feijão tropeiro (com ovo frito sobreposto ao barroco de carnes e legumes); a textura suculenta dos seus enso­pados (o de frango ou de aba de costela) e doces fatais. Pessoalmente, provei de tudo: os pratos de boteco no Rio de Janeiro; os excessos novecentístas da culinária paulista; o império de pratinhos baianos de mar e terra, com as suas moquecas, feijões, cozi­dos, mocotós, seja o que for; a especiosa moqueca capixaba, do Espírito Santo; a cozinha de inspiração portuguesa do Rio Grande do Sul; os peixes do Amazonas, fritos (tambaqui, pirapitinga, aruanã, pirarucu, bicuda, jacundá, traíra, pirarara, ou tucunaré), ou os do Araguaia; as carnes do Sul em fogo de chão, na serra gaúcha, ou os seus galetos "al primo canto"; as farinhas e fusões pernambucanas.

Por isso, quando alguém me diz "esta é a verdadeira cozinha do Brasil", ou "esta é a verdadeira música do Brasil", ou "esta é a verdadeira feijoada brasileira", digamos que tremo de indignação. Não existe Brasil, propriamente dito - mas Brasis, como ficou escrito em parte da literatura portuguesa do século XIX: os Brasis, esse continente de extensões e declives, de chapadas e de planaltos, do pampa às florestas, como escreve o grande Euclydes da Cunha, um dos grandes mestres da nossa língua. Vejam como começa "Os Sertões": "O planalto central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças, altas e abruptas. Assoberba os mares; e desata-se em chapadões nivelados pelos visos das cordilheiras marítimas, distendidas do Rio Grande a Minas. Mas ao derivar para as terras setentrionais diminui gradualmente de altitude, ao mesmo tempo que des­camba para a costa oriental em andares, ou repetidos socalcos, que o despem da primitiva grandeza afastando-o consideravelmente para o interior."

E fomos ao Comida de Santo, uma casa histórica de referência para o Brasil e para a comida baiana, a dois passos do Príncipe Real, evocando a memória da paixão brasileira de António José Pinto Coelho, o seu criador nos anos oitenta. E desfilam, então, as moquecas de camarão ou de peixe, fervilhando no seu molho de azeite dendê, os ensopadinhos de camarão e de peixe com leite de coco, o vatapá bem baiano, enlaçado com o bobó de camarão, o virado paulista (com o tutu de feijão, evidentemente), o camarão com catupiry e (ah!, senhores e senhoras!) a mais brutal saudação à cozinha doméstica e histórica dos lares brasileiros, tão gabada por Nelson Rodrigues, o ensopadinho de abóbora com carne de sol (o meu prato brasileiro preferido, se for bem preparado) - além da carne de sol acebolada, da feijoada, do xinxim de galinha ou do picadinho à mineira. Todos estes pratos são, para mim, música celestial – tradicionais, intensos, perfumados, evocativos, triunfais, terminando com uma prova de quindim, de bananada ou de pudim de aipim.

A minha opinião está toldada pela saudade e não é um alto momento do meu julgamento porque, além do mais, aparecem, juntamente com as comi­das, lembranças das cervejas locais, da Bohemia Weiss à Baden-Baden, da Schmitt à La Brunette, da Devassa à Eisenbahn e à Cerpa. Infelizmente não se apanham cá.

É preciso dizer que o Comida de Santo não é "um restaurante de comida brasilei­ra", partindo do princípio de que a comida brasileira não existe (em seu lugar, um carrossel de designações: paulista, baiana, gaúcha, mineira, etc.) – mas o seu, digamos, "paradigma", transporta o ideal de uma culinária caseira e intensa, verdadeira, que terá os seus detractores e os seus amadores fiéis. Considerem-me entre os segundos.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 47
Vinhos brancos: 16
Vinhos verdes: 6
Portos & Madeiras: 4
Uísques: 14
Aguardentes portuguesas: 10

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: à noite
Preço médio: 25 Euros

COMIDA DE SANTO
Calçada Engenheiro Miguel Pais, 39
1200-172 Lisboa
Tel. 21 396 33 39

in Revista Notícias Sábado – 15 Dezembro 2007

Etiquetas:

Momentos de glória

1. Até me assustei com o dia seguinte. As primeiras páginas de “A Bola” e do “Record” falavam, em letras gordas, de Camacho e de Liedson, e suspeitei – ao longe, antes de me aproximar da banca de jornais – que não tivessem visto o grande jogo do dia anterior, pelo menos com equipas portuguesas. Tratava-se do FC Porto e, explicaram-me com bons modos, quem vende é o Benfica e, ocasionalmente, o Sporting. Portanto, o facto de o FC Porto ter passado à fase seguinte da Liga dos Campeões e se ter classificado em primeiro lugar no seu grupo, é uma notícia lateral na economia do jornalismo desportivo. Não é uma grande notícia, evidentemente, mas ficámos cientes.

2. Eficácia e bom rendimento global: o lema de Jesualdo não é luminoso, não pisa os trilhos da glória e do grande espectáculo – mas Jesualdo merece distinção e um aplauso. Os adeptos aplaudem, timidamente. Gostam dele mas não gostam. Agradecem mas não retribuem. Ficam contentes mas mantêm a angústia. Eles sabem que Jesualdo tem uma vantagem sobre Adriaanse, o outro mal amado – com os jogos de Adriaanse nunca se sabia se o FC Porto ganhava por três ou se perdia sem remissão. Adriaanse não sabia (foi ele que o disse) que era importante o FC Porto ganhar ao Benfica; Jesualdo sabe que, mesmo no limite da insensatez, ganhar ao Benfica será sempre uma vitamina para os dragões. É a lição do futebol: conservar inimigos históricos é meio caminho andado. Por isso, eficácia e bom rendimento global são bons prémios. O FC Porto começa a deixar uma legião de rendidos à sua volta, que agora mencionam “pura classe” e outros ditirambos do género. É como em tudo, o futebol: vai e volta.

3. José Mourinho escapou de ir treinar os ingleses reunidos. Talvez um dia, se adquirisse a nacionalidade, ele fosse feito cavaleiro pela rainha. Mas seria sempre o treinador de uma equipa chata que talvez tivesse momentos de glória. Viram a Inglaterra nos últimos, digamos, vinte, trinta anos? Prefiro o Athletic de Bilbau no penúltimo lugar do que aquela armada de gente desmobilizada, a marcar golos a conta-gotas. Nesses últimos vinte, trinta anos, a Inglaterra foi uma velha rezingona com futebol de deficiente categoria. Merece continuar assim.
Wenger, aquele francês que nunca ri, dizia que o futebol de selecção era o passado e que o futuro pertencia ao futebol de clubes. Não acho; mas Mourinho escapou desse futebol de salão do tempo da Rainha Victoria – e pode acontecer que seja contratado por um dos grandes clubes europeus. Seria um desperdício, se não acontecesse.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 15 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 10, 2007

Direitos de África em Lisboa

Dois temas para esta cimeira. O primeiro, o dos direitos humanos, sem dúvida. Evidentemente que uma cimeira exige a presença de todos – e não pode excluir ninguém à partida; disso está dependente o seu sucesso. Excluir a participação de Robert Mugabe, sem dúvida um ditador responsável por massacres cometidos contra o seu próprio povo, pelo ambiente de corrupção e de perseguição política, pela mais alta inflação de África e pela destruição da economia do seu país, poderia ser defendido caso se tratasse de um almoço entre amigos. O mesmo se poderia dizer de um homem responsável por vários crimes, como Muhammar Khaddafi. Compreende-se que a cimeira seja mais “geral” com a sua presença, mas é bom que a chamada “sociedade civil” proteste contra o facto e que se manifeste quando pode e quando tem oportunidade, até para lembrar que não é surda e, mais importante, que não é muda.

Partimos do princípio de que os direitos humanos são universais e que devem ser respeitados onde quer que seja: no Darfur (e na totalidade do Sudão) e no Zimbabwe, na Líbia e no Brasil, nos EUA e na Rússia, na China e no Irão. A UE, sob todas as presidências (Portugal não é excepção) mantém os direitos humanos na margem da sua agenda; o tema é tratado “caso haja tempo”. Mencionou-se o assunto na Cimeira Europa-África, mas “não houve tempo” para tratar deles, recentemente, na China, com quem participamos em festins. Com a China, respeitinho. Já em relação a África foi bom vermos José Sócrates e Angela Merkel falar do assunto e mencionar, claramente, os nomes.

O que está em causa no Zimbabwe, como no Darfur, como no discurso de Muhammar Khaddafi, não é apenas o emblema maneirinho dos direitos humanos e a miragem do respeito pelos princípios das democracias liberais como nós as conhecemos, com eleições livres e alternância no poder. Robert Mugabe é um criminoso que assassina impunemente os seus concidadãos e elimina os seus opositores com o silêncio cúmplice dos países africanos. O nazi de Harare, Mugabe, é visto como um herói pelos países da «linha da frente», cometa ele os crimes que resolva praticar – ele é o herói africano do ressentimento, conforme pudemos ver nas minúsculas manifestações de apoio ao ditador. Ele expulsou os fazendeiros brancos, ele lutou contra o regime de Ian Smith, coisas que parecem absolvê-lo das indignidades que tem cometido. A verdade é que as vítimas têm cor – e as vítimas de Mugabe, mais do que os fazendeiros brancos, são os negros do seu país. Não são tão importantes. Como não são importantes as vítimas do oeste do Sudão, chacinadas em silêncio e longe das câmaras da CNN.

Gostaria, pessoalmente, de ver no Zimbabwe os autores de blogs que apoiam Mugabe, de ver no Zimbabwe os manifestantes que estiveram às portas da cimeira a gritar o seu apoio ao ditador de Harare. Talvez aprendessem alguma coisa ao estudar localmente o que é a repressão, a violência, o genocídio, a pobreza gerada pela má administração e pela corrupção.
O segundo tema desta cimeira foi engolido pelo folclore de Kaddhafi, Mugabe e companheiros – e foi o discurso do presidente da União Africana. A Europa tem coisas duras para ouvir por parte dos africanos, e é bom que nos habituemos. Mas o tom do seu discurso estava essencialmente correcto: é necessário enterrar o colonialismo e as desculpas que ele providencia para o ressentimento. É bom que tenha sido um africano como John Kufuor a pedir para enterrar o colonialismo, e que tenham sido Kaddhafi e Mugabe a repetir a lengalenga histriónica dos argumentistas do “atraso de África” com base no colonialismo que se retirou há trinta anos do continente. Dirão que é pouco, e que o processo histórico é lento. Sim, é verdade – mas alguém tem de começar a falar do assunto no lado de lá.

in Jornal de Notícias – 10 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 08, 2007

Viajar e comer em Dezembro


Um restaurante que evoca as nostalgias das grandes viagens de Verão é o que convém nesta entrada do Inverno.

A vida está cara. Nero Wolfe, o detective de Rex Stout, aquele imenso detective de 140 quilos cujas histórias são narradas pelo seu adjunto Archie Goodwin, acordou um dia com essa impressão: a vida está cara. Ele queria simular um estado tran­sitório de loucura de modo a não ser detido pelo sargento Cramer, o detective-chefe da NYPD. "A vida está cara", murmurava ele, e enumerava os preços da cerveja, do pão, do faisão, do caviar, das ovas de sável, do esturjão inteiro que vinha do Cáspio. A vida está cara.

Muitas vezes apetece-me vestir a pele de Nero Wolfe (sou ligeiramente mais magro) e enumerar patetices caras. Por exemplo, não compreendo como é possí­vel certos restaurantes serem tão caros como de facto são. Há restaurantes onde vamos uma, duas vezes por ano. Há outros onde gostamos de ir mais amiúde, e podemos. Mas não é legítimo acreditar que, digamos, uma família com rendimentos médios (médios, eu escrevi médios) possa frequentar os restaurantes do seu agrado com a frequência que também seria legítima. A vida está cara. Restaurante que ultrapasse os 15 euros de preço médio ainda não é restaurante com preços médios; os preços de um restaurante onde valha a pena ir (para ser bem servido, para comer razoavelmente, para que não lhe entornem estricnina nas ostras, para que não lhe sirvam 'sundaes' do McDonalds e para que suba um nadinha o padrão do dia-a-dia) começam na tabela dos 20 euros. O leitor que leve a família a um jantar de sába­do, desses que começam na tabela dos 20 euros, e depois me conte como passa o resto do mês. Tenha coragem e escreva sobre o assunto. Escreva-me a mim e ao senhor primeiro-ministro, já agora. O leitor desculpará que eu diga estas coisas na aber­tura da quadra natalícia, porque a fila para as lojas e para o supermercado já está a engrossar.

E, para espai­recer, nada melhor do que comer uns lombinhos de porco ibérico marinados em pimentão, ou um caril de camarão, ou uma cachupa, ou um polvo à bordalesa, ou uns fofíssimos sonhos de bacalhau com arroz de feijão, depois de uma entrada de farinheira com ovos mexidos. Tremeu alguma coisa aí, onde ficam as papilas? Ou mais acima, no cérebro? Ou mais abaixo, no estômago? Estes são os pratos principais do Maria Moranga, um novo restaurante lisboeta, ali paredes meias com a Calçada da Estrela e o caminho para as colinas que descem do Príncipe Real (é uma maneira de dizer).

Os tons do restaurante são muito acolhedores, em laranja, vermelho, madeiras, enfim, agradáveis à vista e ligeiramente africanos, pelo comprido, sem prometer cozinha de ultrapassagem pela esquerda. O caril de camarão é, de facto, muito bom, e os sonhos de bacalhau, como eu escrevi, são fofos, pataniscas suaves, com bacalhau verdadeiro - o arroz de feijão precisa de um caldo mais cremoso, mas até é muito aceitável no clima geral de incompetência que grassa nos nossos restaurantes quando se trata de servir os arrozes tradicionais (tomate, feijão, grelos, couve...).

A proposta é muito luso-tropicalista, de influências viajantes, entre Portugal e o Brasil (camarão na moranga, aboborinha, por exemplo, que terá de pedir com antecedência, ou picanha fatiada), entre Cuba e o Mediterrâneo (espetada de frango com cuscuz), entre Cabo Verde (a cachupa ficará para a próxima) e Portugal de novo (bacalhau com crosta de broa), passando pelo entrecote à parisiense, e até pelas bebidas, que apresentam a proposta de sangria e de caipirinha. Boa ideia, portanto, para nostálgi­cos dessas viagens - sem abdicar de uma cozinha saborosa e suculenta, que nunca é desajeitada nem deselegante. O petit gateau, formosura de chocola­te, era muito acima do razoável, e as duas mousses da minha eleição (a de manga e de maracujá) estavam lá, ombreando com a de chocolate, muito boa. Lá iremos de novo. Com a família inteira.

À Lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 40
Vinhos brancos: 16
Portos & Madeiras: 8
Aguardentes portuguesas: 10
Uísques: 14

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável ao jantar
Preço médio: 18 Euros

MARIA MORANGA
Rua Cruz de Poiais, 89
1200-001 Lisboa
Tel: 967 825 023

in Revista Notícias Sábado – 8 Dezembro 2007

Etiquetas:

Elogio do Chaves e do Quaresma

1. O Desportivo de Chaves não é apenas uma boa equipa – é uma equipa de resistentes, o derradeiro reduto de Trás-os-Montes no futebol, a horda de heróis que atravessa o pobre futebol das províncias. Só uma equipa assim conseguiria fazer o que o Chaves fez ontem. Lembro-me de momentos heróicos do GD Chaves ao longo da sua história e tenho pena da sua descida, de escalão em escalão, e da apatia de muitos responsáveis que poderiam ter feito mais ou daqueles que desonraram um trabalho feito e notável, muito digno. Sou daqueles que assistiu ao momento crucial da sua biografia, quando subiu à I Divisão, quando foi às competições europeias. É uma pena que não tenha mantido a sua poeira de glória. Mas foi essa poeira que, ontem, obrigou o FC Porto a meter Lisandro. Espero que o António Borges, que recordo da minha adolescência flaviense, possa trazer de novo o GD Chaves para o escalão superior.

2. Jesualdo não iria inventar, ontem e no jogo com o Liverpool – mas inventou. É a tentação de todo o treinador. Há nos treinadores, mesmo nos mais conservadores, um brilho nos olhos mal sentem que estão em condições de mudar e surpreender. Geralmente corre mal. Porquê? Porque um treinador conservador não pode mudar muito. Mesmo que sinta a tentação. Geralmente, aliás, é a tentação do abismo.

3. Filipe Nunes Vicente escreve maravilhosamente sobre futebol no blog “Mar Salgado”. Melhor do que isso: ele, benfiquista, escreve superlativamente sobre o Benfica. É o seu melhor cronista, o seu melhor comentador. Assim viu ele o resumo do Benfica-FC Porto da semana passada: “O jogo de hoje concretizou a epistemologia benfiquista de sonho: o treinador é o Chalana, o adjunto é o Camacho, o Barbas é o Vilarinho e o motorista é o Vieira. Mai nada.” Aristotélico. Vão ler, que ganham muito – é uma escrita excelente que gosto, sempre, de homenagear.

4. Quaresma explicou o que era uma trivela no estádio da Luz, coadjuvado pelo público que o assobiava de cada vez que tocava na bola. Numa noite assim apeteceu dizer a única coisa que parecia certa: sessenta mil benfiquistas foram ver o FC Porto jogar. Só tiveram direito a 60 minutos, mas valeu a pena. Há um pouco de racismo nos assobios a Quaresma; ele agradece: sente-se aquela rebeldia irónica. Valdano escrevia sobre a arte de fazer coisas próximas do talento puro, situando Quaresma entre os grandes artistas. Mas Quaresma é solista de outra música. Conhece a magia do jogo.

5. Vieira e Veiga, Dupont e Dupond, Paulo e Virgínia, o Gato e o Rato, Cara e Coroa, Romeu e Julieta, Coca e Pepsi. Não sei qual deles. Ninguém sabe. Há gente que arrasta quezílias pela vida fora. Heróis e vilões. Escolham.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 8 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 04, 2007

Outro Preto, o luxo da contemplação

Havia uma poeira amarelada, fina. Essa não foi a primeira imagem, mas foi a mais intensa, aquela que perdurou. A primeira foi a do desenho de um vale escuro, denso, sitiado pelo pico do Itacolomi e pela serra da Mantiqueira, pelos fios de água do rio das Velhas e do Piraci­caba, mergulhado naquela vaga de calor onde cada pedra fala da história e do pas­sado. É impossível não ceder ao peso da história e do passado; casarões erguidos em colinas, em ladeiras e becos, pracetas onde ipês frondosos servem de teste­munhas à passagem do tempo em Ouro Preto, a primeira capital de Minas Gerais.

Mas a outra imagem, a decisiva, apa­receu depois: uma poeira fina misturada às nuvens de calor que subiam e desciam o vale. Foi mais do que isso que levou D. Pedro I a chamar-lhe Imperial Cidade de Ouro Preto, substituindo o nome antigo, Vila Rica – o desígnio da História, o centro difusor do independentismo brasileiro que alimentou a Inconfidência Mineira e a conspiração do Tiradentes, a importância económica da região, a tradição de uma cidade que foi capital do barroco brasileiro. Essa euforia custou caro à cidade: seguiram-se anos de isolamento e de silêncio até ao ressurgimento nos úl­timos anos, com uma população essen­cialmente universitária e com o turismo cultural dos que vêm conhecer a cidade que poderia ter sido capital do Império.

Estive pela primeira vez em Ouro Pre­to em 1998, depois de uma viagem de carro a partir do Rio, atravessando as serras, aproximando-se dessa visão da poeira do vale e da imagem da cidade, encimada pela igreja do Carmo numa das colinas. O que eu mais conhecia era Tomás An­tónio Gonzaga, um dos meus poetas, voz estranha de andarilho e, diz-se, de amante displicente. Nasceu em Gaia, viveu em Ouro Preto e na Baía e, na sequência da revolta da Inconfidência Mineira e do su­plício de Tiradentes, foi deportado para Moçambique, onde foi funcionário das alfândegas da época. Penou na ilha de Moçambique até ao fim. «São estes os lu­gares, eu o mesmo não sou» remete-me para os seus poemas a Marília de Dirceu, musa e inspiradora de muitas visitas ac­tuais a Ouro Preto, cuja casa se encontra lá, bem arrumada no fundo de uma das ruas, junto a um chafariz e de uma para­gem de «ônibus». De alguma maneira, tanto Gonzaga como Cláudio Manuel da Costa fizeram o melhor da poesia pós-barroca, só comparável em génio ao atormentado e revolucionário Bocado Inferno, o «genial canalha» Gregório de Matos, poeta baiano do século XVI.

Ouro Preto lembra a história das cidades abandonadas por algum mistério do tempo. No caso, tratou-se da decadên­cia da vida das minas e da importância acrescida de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais — mas eu suponho que há mais. Há aqui o perfume da maldição e do castigo por, nesses tempos de glória, a riqueza dos seus habitantes ter levado a cobrir varandas e fachadas com folha de ouro. Isolada do mundo, escondida no vale, Ouro Preto fomentou aquela luxúria da decadência e foi um centro produtor de música, de pintura, de escultura, de litera­tura – e de contemplação, a mãe de todos os vícios artísticos. Hoje, a poucos quilómetros de Ouro Preto, visitando Congonhas do Campo para revisitar as es­culturas de António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, vê-se como esse drama esta­va anunciado. A obra do Aleijadinho es­tá presente em toda a cidade de Ouro Pre­to (onde nasceu e morreu, 1730-1814), nomeadamente na Igreja de São Francis­co – mas em nenhuma obra como a dos 12 Profetas de Congonhas do Campo se nota a tragédia no olhar daquelas persona­gens que escondem as figuras dos revol­tosos e conspiradores da Inconfidência.

Ao crepúsculo, Ouro Preto recebe os seus fantasmas, um a um. Falei da contem­plação como um dos elementos da luxú­ria; não é por acaso: ao observar o vale de­saparecendo sob a escuridão, percebe-se por que nenhuma outra cidade brasileira vive tanto o passado e os seus mistérios.

in Outro Hemisfério – Revista Volta ao Mundo – Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 03, 2007

Reproduzam-se, portugueses!

Desculpem mas o tema é meu. Escusam de protestar e de ironizar, mas não vi muita gente a protestar na altura. Quando o governo quis punir por vias fiscais, creio, os casais sem filhos ou apenas com um rebento – não me lembro de ver a rapaziada a apoiar-me na guerra contra a política de repressão que visava os maus reprodutores. Para o Estado, os portugueses deviam reproduzir-se com mais regularidade e visibilidade. Era esta a mensagem: “Tenham filhos. Reproduzam-se. O Estado precisa de filhos e de contribuintes.” Quem não se entregasse às alegrias da paternidade, com os seus exultantes sacrifícios e as suas passageiras alegrias, estava em condições de ser punido pela máquina fiscal, ou discriminado face às famílias que tinham decidido multiplicar-se como mandam os evangelistas.

Acontece que o Estado gosta muito da natalidade dos seus cidadãos, exercitando-se em teorias sobre a fraca taxa de reprodução do povo, quase sempre em jeito de queixinhas. Que as pessoas já não querem famílias numerosas (fazem elas bem), que não estamos a olhar bem para o problema da taxa de natalidade europeia (sei lá), que precisamos de mais filhos gerais para equilibrar a previdência, as contas do Estado, o que vai por aí fora. Depois, o argumento moral, que não falha: os europeus não se reproduzem e daqui a umas décadas desaparecem. Portanto, resumindo, o que o Estado quer é que os cidadãos se “sacrifiquem” em seu nome, para reequilibrar as contas. Dito assim, parece uma cousa fracturante, do género “toca a reproduzir”.

Depois de ter ensaiado uma forma de discriminação negativa das famílias pouco numerosas ou dos celibatários, o governo decidiu deixar a coisa no capítulo dos ensaios. O presidente da República voltou a falar do assunto recentemente, insistindo “no problema” e, quem sabe, no desaparecimento da raça, perguntando-se se os portugueses ainda sabem como se fazem filhos. Ora, “o problema” é que a vida está como está, e ninguém de cabeça a funcionar com o mínimo de neurónios aceitáveis quer pensar nas suas obrigações reprodutivas em nome do Estado, da pátria e do futuro da nacionalidade. O Estado que tenha filhos onde quiser, mas não aborreça as pessoas com imperativos morais; o Estado é o último da fila quando se trata de questões morais.

Não sei se o leitor sabe, mas a zona onde os portugueses se reproduzem menos é na Serra da Estrela; seguem-se o Douro, Alto Trás-os-Montes, Pinhal Interior Sul e Beira Interior Norte, todas com um índice de fecundidade de 1,1. O presidente da República, vendo o deserto em que o interior das Beiras se está a transformar, lançou o repto sobre a necessidade de nos reproduzirmos. Eu concordo, por conveniência do debate. Mas olhemos para as contas dos cidadãos. Não para as contas do Estado. Insisto: para as contas dos cidadãos, para a carga fiscal, para a indiferença do Estado frente aos cidadãos (e, em especial aos pobres, aos velhos, aos desempregados). Olhemos para o trabalho dramático de Isabel Jonet à frente do Banco Alimentar e das histórias trágicas que ela conta.

Diante disto, alguém de bom-senso tem coragem de pedir aos cidadãos que se reproduzam, que se multipliquem (mesmo que seja a troco de 2500€?) e que traduzam, nas maternidades, o índice de felicidade em que vivem?

O Estado pode pedir-nos o que entender. Mas meter-se nas nossas contas privadas e nas nossas vidas íntimas?

in Jornal de Notícias – 3 Dezembro 2007

Etiquetas:

dezembro 01, 2007

Fartar a memória


Ainda no Bairro Alto, um lugar saboroso para evocar as coisas de antigamente.

Parece uma manhã tranquila – e é. Mas, ao meio-dia e meia, se não fosse estarem abertas as portas de muitas lojas e de muitos restaurantes, dir-se-ia que era manhã bem cedo. O Bairro Alto já não tem “o bulício de outrora”, pelo menos a esta hora. Para mim é Inverno, digam o que disserem: sinto o primeiro frio do ano, verdadeiramente, quando subo do Cais do Sodré para o Largo de Camões e, daí, procuro a Rua das Gáveas e, depois, a Rua do Norte. Os adolescentes da noite anterior deixaram o bairro de madrugada, entregue à depredação, mas há lugares castiços que resistem.

Pepe Carvalho, o de Vázquez Montalbán, sentiria isso na sua Barcelona, percorrendo as velhas ruas dos mercados e todo o Bairro Gótico – mas aqui não vejo grande sinal de limpeza. Lisboa continua relativamente suja e a pergunta faz sentido: Lisboa está suja porque não a limpam ou porque os lisboetas a sujam?

Ao contrário de Carvalho, não tenho a nostalgia dos velhos bairros, nem dos velhos vícios, nem dos velhos cheiros, nem das coisas que terminam. Terminam e pronto, chegam ao fim. Velhas tabernas são substituídas por restaurantes chinfrins ou por bons restaurantes, oficinas de reparação de móveis são tomadas por lojas de roupa em segunda mão, por lojas de discos, por “lounges” (tudo é “lounge”, desde a música à sala de estar e aos bares minimais), mas não se me aguça a nostalgia. Há, simplesmente, coisas que acabam. Procuro as que sobrevivem, como um pesquisador que vem à velha cidade com as memórias dos outros.

Por exemplo, a de José Saramago – que neste restaurante negociou com Fernando Meirelles o essencial do filme “Ensaio sobre a Cegueira”, enquanto comiam bacalhau à Braz e bacalhau no forno com pimento e azeitonas. E a de José Cardoso Pires, que neste restaurante apreciava as “costeletas de sardinha”; tempos antes de morrer, numa noite de felicidade, esteve aqui o mágico criador de “O Delfim” e de “Alexandra Alpha”, até depois das quatro da manhã, festejando a vida que iria marcar-lhe um termo de identidade e residência. Enquanto escolho os pratos, mostram-me (com um gesto de grande ternura por José Cardoso Pires) o autógrafo do escritor, a sua letra e o desenho que gostava de praticar. Recordo um jantar tardio com ele: os vinhos, a inteligência, a malandrice, o desprezo pela literatice, o prazer das coisas substantivas, essenciais, humaníssimas.

A sala é relativamente pequena mas acolhedora, e o Farta-Brutos colecciona, nas suas paredes, memórias dos seus amigos. É a sua família. A do Tavares Pobre. Honremo-la. É a sua família. Gosto de restaurantes que têm a sua família, os clientes que reservam a sua garrafa, que são informados sobre a ementa do dia seguinte, que tratam o Sr. Ramiro por Ramiro e que deixam o jornal sobre a mesa quando se vão embora.
Primeiro, vem um queijo gratinado no forno; há ali um excesso de ervas, e eu ganhei um cansaço pelos orégãos – mas a proposta é generosa, e o pão é saboroso. Pataniscas de bacalhau com arroz de feijão, filetes de polvo, arroz de pato, um cabrito no forno, rojões, arroz de marisco, iscas e cabidela, coelho frito com açorda. Vamos nisso, como nos fadinhos de Hermínia: vamos nisso. Primeiro, as costeletas de sardinha, em homenagem a José Cardoso Pires: os filetes foram temperados com limão, panados suavemente, fritos no ponto – e acompanhados de arroz de tomate, que está bom e não é, como hoje em dia, ou devorado pela massa de polpa de tomate, ou pontilhado de pedaços de tomate que não quis desintegrar-se. Não: é um bom arroz de tomate, feito com tomate, para ser comido às garfadinhas. Segue-se, na ordem de chegada, um prato excêntrico: coelho frito. Bem frito e bem temperado, e bem cortado, enlaçado com a travessinha de açorda, que vai bem e merece aplauso. Hoje em dia, há uma crise nos acompanhamentos, com arroz de grelos sem grelos, açorda que passa por ser pão embebido em água fervente, batata cozida que parece arrancada ao caldeirão, pingando.

Finalmente, só por pudor não ataco os papos d’anjo, que vêm num carrinho onde há leite-creme e arroz doce, cousas fatais para o cronista. O café soube a café neste princípio de tarde luminoso de Inverno (é Inverno, já disse). Até o Bairro Alto melhorou quando saio e encontro a luz de Novembro.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: ***
Decoração: * * *
Serviço: ** *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 72
Vinhos brancos: 36
Aguardentes portuguesas: 18
Portos & Madeiras: 12
Uísques: 22

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável ao jantar
Preço médio: 27 euros

Farta-Brutos
Travessa da Espera, 20
1200-176 Lisboa
Telefone: 213 426 756
Encerra aos domingos

in Revista Notícias Sábado – 1 Dezembro 2007


Etiquetas:

Um jogo em várias frentes

1. Não é “o clássico da época”. Os timoratos têm razão quando dizem, mesmo de pé atrás, que o primeiro lugar está garantido seja qual for o resultado do jogo. Mas a lição de Co Adriaanse, o do molho holandês, deve recordar-se; ele reconheceu, com aquela ingenuidade que merecia estalos, que “não sabia que era importante vencer o Benfica”. Mas Jesualdo, que é mais avisado, sabe que é importante não perder na Luz por dois motivos essenciais: porque é necessário (diante dos adeptos) compensar a dignidade ferida por um empate miserável na Amadora e pela derrota imbecil de Liverpool, e porque a vitória constitui (para a equipa) uma vitamina no caminho para o título.

2. Compreendo que Jesualdo está no fio da navalha. Castigar os jogadores depois de Liverpool não é bom remédio antes do confronto com o Benfica. Há um capital anímico que é necessário manter. Por isso, o jogo pode não ser uma final – mas deve ser vivido como uma final. Jesualdo Ferreira sabe porquê: mais de metade do campeonato é atribuída pela “imprensa do regime” e esta também precisa de ser castigada e posta no sítio. É, por isso, um jogo em várias frentes.

3. E, depois, outra etapa: tratar das contratações. Já se viu que falharam.

4. O Benfica jogou bem contra o Milan. Não, não vou dizer que “a bola não entrou”, como Camacho gosta de referir (ele ganhou pontos graças a essa frase), mas a verdade é que o Benfica mostrou fibra e capacidade de responder à velocidade de um jogo decisivo. São as duas características mais relevantes do Benfica. Cardozo e Maxi são feios de jogo mas são fortes no campo, se lhes apetecer.

5. Garra e fibra: o Braga contra o Bayern. A multinacional alemã não conseguiu, mesmo com o roubo descarado do árbitro, vencer em Braga (como querem os bonzos da UEFA, para garantir “brilho” na competição). E Manuel Machado soube ler o tabuleiro.

5. O tema mais desagradável da semana é, como de costume, Scolari. Eu defendo que o homem deve ser deixado em paz a preparar o Euro – mas na condição de ele nos deixar em paz com os seus arrebiques. A entrevista que concedeu ao “Estado de São Paulo” é, nas entrelinhas, mais numa desconsideração para com Portugal, falando de contratos, rescisões, mantendo sempre aceso o pequeno tique de “eles, os tugas”, como se estivesse a fazer-nos o favor de treinar a selecção portuguesa até ao Euro “mas depois vou-me embora”. Concedo que ele seja amado, glorificado, e que deve ser defendido. Mas não está em condições de reabrir feridas que mereciam sulfamida e mercurocromo. Assim, está a ser burro.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 1 Dezembro 2007

Etiquetas: