dezembro 10, 2007

Direitos de África em Lisboa

Dois temas para esta cimeira. O primeiro, o dos direitos humanos, sem dúvida. Evidentemente que uma cimeira exige a presença de todos – e não pode excluir ninguém à partida; disso está dependente o seu sucesso. Excluir a participação de Robert Mugabe, sem dúvida um ditador responsável por massacres cometidos contra o seu próprio povo, pelo ambiente de corrupção e de perseguição política, pela mais alta inflação de África e pela destruição da economia do seu país, poderia ser defendido caso se tratasse de um almoço entre amigos. O mesmo se poderia dizer de um homem responsável por vários crimes, como Muhammar Khaddafi. Compreende-se que a cimeira seja mais “geral” com a sua presença, mas é bom que a chamada “sociedade civil” proteste contra o facto e que se manifeste quando pode e quando tem oportunidade, até para lembrar que não é surda e, mais importante, que não é muda.

Partimos do princípio de que os direitos humanos são universais e que devem ser respeitados onde quer que seja: no Darfur (e na totalidade do Sudão) e no Zimbabwe, na Líbia e no Brasil, nos EUA e na Rússia, na China e no Irão. A UE, sob todas as presidências (Portugal não é excepção) mantém os direitos humanos na margem da sua agenda; o tema é tratado “caso haja tempo”. Mencionou-se o assunto na Cimeira Europa-África, mas “não houve tempo” para tratar deles, recentemente, na China, com quem participamos em festins. Com a China, respeitinho. Já em relação a África foi bom vermos José Sócrates e Angela Merkel falar do assunto e mencionar, claramente, os nomes.

O que está em causa no Zimbabwe, como no Darfur, como no discurso de Muhammar Khaddafi, não é apenas o emblema maneirinho dos direitos humanos e a miragem do respeito pelos princípios das democracias liberais como nós as conhecemos, com eleições livres e alternância no poder. Robert Mugabe é um criminoso que assassina impunemente os seus concidadãos e elimina os seus opositores com o silêncio cúmplice dos países africanos. O nazi de Harare, Mugabe, é visto como um herói pelos países da «linha da frente», cometa ele os crimes que resolva praticar – ele é o herói africano do ressentimento, conforme pudemos ver nas minúsculas manifestações de apoio ao ditador. Ele expulsou os fazendeiros brancos, ele lutou contra o regime de Ian Smith, coisas que parecem absolvê-lo das indignidades que tem cometido. A verdade é que as vítimas têm cor – e as vítimas de Mugabe, mais do que os fazendeiros brancos, são os negros do seu país. Não são tão importantes. Como não são importantes as vítimas do oeste do Sudão, chacinadas em silêncio e longe das câmaras da CNN.

Gostaria, pessoalmente, de ver no Zimbabwe os autores de blogs que apoiam Mugabe, de ver no Zimbabwe os manifestantes que estiveram às portas da cimeira a gritar o seu apoio ao ditador de Harare. Talvez aprendessem alguma coisa ao estudar localmente o que é a repressão, a violência, o genocídio, a pobreza gerada pela má administração e pela corrupção.
O segundo tema desta cimeira foi engolido pelo folclore de Kaddhafi, Mugabe e companheiros – e foi o discurso do presidente da União Africana. A Europa tem coisas duras para ouvir por parte dos africanos, e é bom que nos habituemos. Mas o tom do seu discurso estava essencialmente correcto: é necessário enterrar o colonialismo e as desculpas que ele providencia para o ressentimento. É bom que tenha sido um africano como John Kufuor a pedir para enterrar o colonialismo, e que tenham sido Kaddhafi e Mugabe a repetir a lengalenga histriónica dos argumentistas do “atraso de África” com base no colonialismo que se retirou há trinta anos do continente. Dirão que é pouco, e que o processo histórico é lento. Sim, é verdade – mas alguém tem de começar a falar do assunto no lado de lá.

in Jornal de Notícias – 10 Dezembro 2007

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