dezembro 15, 2007

Momentos de glória

1. Até me assustei com o dia seguinte. As primeiras páginas de “A Bola” e do “Record” falavam, em letras gordas, de Camacho e de Liedson, e suspeitei – ao longe, antes de me aproximar da banca de jornais – que não tivessem visto o grande jogo do dia anterior, pelo menos com equipas portuguesas. Tratava-se do FC Porto e, explicaram-me com bons modos, quem vende é o Benfica e, ocasionalmente, o Sporting. Portanto, o facto de o FC Porto ter passado à fase seguinte da Liga dos Campeões e se ter classificado em primeiro lugar no seu grupo, é uma notícia lateral na economia do jornalismo desportivo. Não é uma grande notícia, evidentemente, mas ficámos cientes.

2. Eficácia e bom rendimento global: o lema de Jesualdo não é luminoso, não pisa os trilhos da glória e do grande espectáculo – mas Jesualdo merece distinção e um aplauso. Os adeptos aplaudem, timidamente. Gostam dele mas não gostam. Agradecem mas não retribuem. Ficam contentes mas mantêm a angústia. Eles sabem que Jesualdo tem uma vantagem sobre Adriaanse, o outro mal amado – com os jogos de Adriaanse nunca se sabia se o FC Porto ganhava por três ou se perdia sem remissão. Adriaanse não sabia (foi ele que o disse) que era importante o FC Porto ganhar ao Benfica; Jesualdo sabe que, mesmo no limite da insensatez, ganhar ao Benfica será sempre uma vitamina para os dragões. É a lição do futebol: conservar inimigos históricos é meio caminho andado. Por isso, eficácia e bom rendimento global são bons prémios. O FC Porto começa a deixar uma legião de rendidos à sua volta, que agora mencionam “pura classe” e outros ditirambos do género. É como em tudo, o futebol: vai e volta.

3. José Mourinho escapou de ir treinar os ingleses reunidos. Talvez um dia, se adquirisse a nacionalidade, ele fosse feito cavaleiro pela rainha. Mas seria sempre o treinador de uma equipa chata que talvez tivesse momentos de glória. Viram a Inglaterra nos últimos, digamos, vinte, trinta anos? Prefiro o Athletic de Bilbau no penúltimo lugar do que aquela armada de gente desmobilizada, a marcar golos a conta-gotas. Nesses últimos vinte, trinta anos, a Inglaterra foi uma velha rezingona com futebol de deficiente categoria. Merece continuar assim.
Wenger, aquele francês que nunca ri, dizia que o futebol de selecção era o passado e que o futuro pertencia ao futebol de clubes. Não acho; mas Mourinho escapou desse futebol de salão do tempo da Rainha Victoria – e pode acontecer que seja contratado por um dos grandes clubes europeus. Seria um desperdício, se não acontecesse.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 15 Dezembro 2007

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