fevereiro 28, 2011

Blog # 811

Cultura não é apenas uma pose, um estatuto. Um ministro que manda retirar uma ambulância para que o seu carro possa passar – é um ato de barbárie. Cultura é também elegância, respeito, bom trabalho. Veja-se o que se passa na estação de comboios do Estoril: a CP, ou a Refer, fecharam a passagem sobre as linhas. É bom; mas os deficientes que usam cadeiras de rodas deixaram de ter passagem para o lado oposto, a menos que façam um desvio de um quilómetro pela praia. Vejo-os atravessar o paredão do Tamariz, à chuva, em busca de uma passagem. É uma enormidade que dura há um ano. Cultura é isto: ver o mundo, tornar a vida menos impossível. Um ministro palavroso que abusa do espaço público e a falta de uma passagem para deficientes no Estoril são o mesmo ato de barbárie.

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Abel Barros Baptista é um dos nossos melhores críticos e estudiosos de literatura. Acaba de publicar (na excelente Angelus Novus, de Coimbra) ‘De Espécie Complicada’. Ensaios, crónicas, opiniões a reter e a estudar. Muito bom.

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FRASES

"Quanto mais o país entrar em crise financeira melhor deve ser a qualidade da democracia." José Medeiros Ferreira, no blogue Córtex Central.

"Jesus foi judeu desde o nascimento até à sua morte." César Vidal, teólogo, ontem, no CM.

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fevereiro 26, 2011

Sofrimento e atitude

Sofre-se bastante sentado no banco do estádio, no sofá da sala, ao balcão do bar – onde quer que se veja o FC Porto reduzido a dez, a lutar pelos oitavos-de-final. Sofre-se bastante em todo o lado, é o destino do adepto, quer ele seja morigerado e sensato, ou mais entusiasta e – vá lá – verdadeiramente alucinado. Falar de um adepto “morigerado e sensato” é trocar as voltas à definição, por natureza, do próprio adepto. Adepto que é adepto está na segunda categoria e sofre aquilo que se sabe. Sobretudo quando as bolas voam, volteiam, andam e desandam, embatem nas barreiras, limpam a poeira à trave, passam ao lado, ganham efeitos escusados. Um dos grandes comentadores brasileiros de futebol, Leonam Penna, dizia – sobre essas bolas que param na trave – que se tratava de “bolas mal chutadas”. É verdade. Mas Nelson Rodrigues, o mestre dos cronistas, encontrou um culpado para esses jogos em que a bola não entra: era o Sobrenatural de Almeida. Pois o Sobrenatural de Almeida esteve anteontem no Dragão, e não deixou que as bolas entrassem.

Prefiro essa explicação à de Jose Antonio Camacho, então treinador do Benfica, quando era interrogado sobre a falta de golos da equipa: “O que se passa é que a bola não entra.” Homem generoso e honesto, Camacho não estava para invenções: bola que não entra não dá golo. E era isso que se passava.

O problema, meu caro André Villas-Boas, é que a bola tem de entrar. Há adeptos, desses da segunda categoria (a do “verdadeiramente alucinado”) que já gastam um dinheirão em ansiolíticos. Meu caro André: você tem uma missão espinhosa entre mãos – a de dar a volta ao texto e a de poupar estragos na taquicardia deste numeroso grupo de portistas que, certamente, não são cientistas do futebol e não compreendem as vicissitudes da bola ou do jogo, mas sofrem com atitude digna e misericordiosa. Essa bola que não entra tem de ser treinada e disciplinada. Não vejo outro remédio. Com sofrimento e atitude.

in A Bola - 26 Fevereiro 2011

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fevereiro 25, 2011

Blog # 810

O Fantasporto faz parte da nossa paisagem. Não só como os monumentos que visitamos, as ruas, as árvores – mas como os nossos hábitos. O culpado é Mário Dorminsky, que fez do Fantas aquilo que a nossa memória perpetuou com a dignidade do cinema. Anos e anos consagrados à divulgação do cinema e ao encontro com cineastas, atores e argumentistas desenham do Fantas um retrato feliz, mesmo com as dificuldades financeiras atuais, próprias dos tempos. São supérfluos, o cinema, o Fantas, a imaginação, os encontros no centro do Porto? São. Por isso são tão necessários à nossa vida, prolongando um hábito feliz e saudável, sem o luxo de outros festivais, mas com o ar de família que o Fantas empresta à cidade, ao cinema e aos cinéfilos que lá vão. Longa vida para o Fantas.

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fevereiro 24, 2011

Blog # 809

O final de fevereiro não existe sem Correntes d’Escritas, que já vai na 12.ª edição. Durante meia semana, de terça a sábado, o encontro da Póvoa de Varzim marca a “agenda literária portuguesa” com a pontualidade de um ritual aguardado de ano para ano – por autores ibero-americanos, imprensa, editores, escolas e muito público. É pena que “a nossa pequena Paraty” não aconteça durante o verão, mas compreende-se: as Correntes iluminam a “temporada baixa” da cidade balnear e, com o rigor do inverno, não favorece a fuga para a praia. Ela, a praia, lá está: nos intervalos da literatura, com salas cheias, debates, reencontros anuais e livros a circular, serve para caminhadas crepusculares e sonetos de ocasião. A Póvoa entrou definitivamente no mapa dos festivais literários.

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Hoje é o Dia de Rosalía de Castro (1837-1885). Por toda a Galiza, e em simultâneo na Corunha, Vigo, Lugo, Santiago de Compostela, Orense, Pontevedra, Ferrol ou na sua terra de sempre, Padrón, vão ler-se poemas seus às 7 da tarde.

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FRASES

"O que aqui temos não é consolidação orçamental, é saque fiscal." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

"O trabalho compensa e, depois, não se passa nada de especial." Gonçalo Assis Lopes, arquiteto, chegado da Líbia. Ontem, no CM.

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fevereiro 23, 2011

Blog # 808

John Keats (1795-1821) é, depois de Shakespeare, um dos poetas mais publicados em Inglaterra – assinalam-se hoje 190 anos sobre a sua morte (em Roma, onde fora buscar cura para a tuberculose). Génio tremendo da poesia romântica inglesa, juntamente com Byron ou Shelley, Keats escreveu possuído pelo demónio da poesia, que seria do género feminino. Jane Campion, a realizadora de ‘O Piano’, dirigiu ‘Estrela Cintilante/Bright Star’ (2009), onde trata da relação entre Keats e Fanny Brawne (a bela Abbie Cornish, contracenando com Ben Whishaw, especialista em ‘papéis literários’), a história de uma paixão abandonada. “Sim, é no templo da Alegria/ Que a Melancolia ergue o seu santuário” – é um dos seus versos mais famosos. A sua leitura é uma forma de educação sentimental.

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A Alfabeto iniciou a sua atividade com ‘Confissão’, de Tolstoi; publica agora um livrinho com dois textos de Jonathan Swift, ‘Uma Proposta Modesta’ e ‘Um Argumento contra a Abolição do Cristianismo’. Pérolas de ironia e humor negro.

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FRASES

"Pouco ou nada se pode fazer nestes casos." Fonte da GNR sobre atos de ‘magia negra’ numa aldeia de Chaves. Ontem, no CM.

"A má memória da participação de Luís Amado nas celebrações dos 40 anos da ditadura de Kadhafi." Ana Gomes, no blogue Causa Nossa

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fevereiro 22, 2011

Blog # 807

A notícia vinha no ‘Daily Telegraph’: há cada vez mais homens a participar nas “comunidades de leitores”, até agora vistas como um reduto feminino. Já há tempos o ‘Boston Globe’ tinha alertado para a mudança: os homens também já tinham descoberto as virtudes das “comunidades de leitores”, com o pretexto de sair de casa, discutir livros que andavam a ler, beber uísque e fumar um charuto. Que isto não pareça uma minudência – pelo é uma revolução nos costumes. É o reconhecimento de que a leitura liberta e que funciona com um elemento de identidade. O ‘Telegraph’ vai mais longe: as mulheres dedicam aos livros apenas cerca de 60% do tempo da “comunidade”; já os homens estão até depois da meia-noite a falar de livros. Preparem-se, pois, minhas senhoras. Eles vão chegar tarde.

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A Bertrand reeditou uma obra publicada nos idos de oitenta, um prodígio de romantismo contemporâneo: ‘Hotel du Lac’, de Anita Brookner. É a história de uma escritora de romances em crise. De amor, naturalmente.

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FRASES

"O rastilho para a agitação que se vive hoje no mundo árabe foi a subida do preço do pão." Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

"Na medida do que é possível, fui informado que terá hoje lugar um Sporting-Benfica." Maradona, no blogue A Causa Foi Modificada.

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fevereiro 21, 2011

Blog # 806

Anna Nicole Smith não cabia nas suas próprias fotografias e inspirou Mark-Anthony Turnage (além do marido quase senil que a deixou viúva em pouco tempo) a compor uma peça que os megafones do ‘showbizz’ classificaram como “a primeira ópera sobre sexo”. Natural exagero num mundo para quem o sexo tem de estar em todo o lado. Ora, a ópera já tinha descoberto o sexo há muito tempo, tal como – salvo erro – a própria humanidade. Sem ser exaustivo, óperas de Mozart, Puccini, Wagner, Alban Berg (‘Lulu’) e outros enredos cheios de excesso e drama já passaram pelo palco da nossa cultura e não merecem ser esquecidos. A opulência de Anna Nicole Smith pode ser, vá lá, generosa e pneumática; mas daí a entrar nos anais da ópera como uma grande novidade, é talvez de mais. Mesmo para ela.

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‘Filosofia em Directo’, de Desidério Murcho, ‘A Ciência em Portugal’, de Carlos Fiolhais e ‘Segurança Social, o Futuro Hipotecado’, de Fernando Ribeiro Mendes, são os mais recentes livros da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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FRASES

"Se voltares a olhar para mim, dou cabo de ti." Assaltante de uma bomba de gasolina em Águas de Moura, em pleno dia, para a funcionária. Ontem, no CM.

"Escreveu-se mais sobre o Bloco durante estes dias do que nos últimos dois ou três anos." Rui Bebiano, no blogue A Terceira Noite.

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fevereiro 19, 2011

Bela decadência

Foram exageradíssimas as notícias sobre a “decadência esperada” do FC Porto, anunciada em surdina ou com megafone de feira; de repente, quem ouvisse alguns comentadores, parecer-lhe-ia que o FC Porto estava em segundo no campeonato e que André Villas-Boas gastava um dinheirão em pastilha elástica. Não era assim; não só o jogo com o Braga mostrou uma atitude tranquila, um grande domínio de bola, uma respiração equilibrada — como, além disso, a viagem de ontem foi muito proveitosa. Os derradeiros vinte minutos do jogo de Braga foram de controle absoluto, de preparação para Sevilha; mostraram que o espectáculo é bom, sim, mas é infinitamente melhor quando termina a nosso favor e se pode dançar a contento.

Veja-se o jogo de ontem: o que vale um golo? Às vezes, tudo. O futebol depende de insistência, de sorte e de inteligência (o talento é para os jogadores). Para quem assistiu à primeira parte do Sevilha-FC Porto, a sensação poderia ser a de ter entrado no portal da previsível nervoseira, se bem que os primeiros minutos fossem originais porque puseram o FC Porto a defender numa posição original, ao pé da baliza andaluza. Por isso, um golo vale quase tudo, marcado com manha aos 83 minutos – não por ser nosso, mas porque foi escrito daquela maneira. O golo de Guarín arrumou a questão com a precisão de um instrumentista. É assim a música do futebol: um golo destes, a bola sem parar e direitinha àquele lugar. Pelo meio, o público já batia palmas em compasso, a acompanhar Kanoué – que relembrem a lição do flamenco, quando se quer saber se ganha o “cantaor” ou o “bailaor”; é preciso esperar pela manha do que souber improvisar melhor.

Mas não foi apenas de futebol que viveu a semana futebolística: também de delírio. A campanha, reconheço, é bem montada, mastigando ressentimentos contra o FC Porto e inventando arbitragens que não aconteceram. Uma coisa é ter mau perder; outra é ter mau ganhar. Ganhar um jogo e viver cada vitória como uma vingança e uma ameaça dá uma ideia sobre o carácter dos ressentidos.

in A Bola - 19 Fevereiro 2011

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fevereiro 18, 2011

Blog # 805

Vale a pena seguir o percurso da espanhola Leire Pajín (35 anos), ministra da Saúde, Política Social e Igualdade, especialista em engenharia social. Arquitecta da nova lei anti-tabaco, ela é também a impulsionadora de outras iniciativas que visam higienizar a sociedade espanhola, aperfeiçoá-la e vigiá-la para que não perca o juízo. Entre elas estão as disposições contra brincadeiras “sexualmente discriminatórias” nos jardins de infância, e uma postura com multas para ofensas através da linguagem (por exemplo, chamar feio a alguém vale 500 euros). Na semana passada chamou machista ao líder da oposição – por não saber cozinhar nem arrumar a casa. Agora, proíbe que se fume dentro de casa para não ofender as empregadas domésticas. O paraíso orwelliano está ao alcance da mão.

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‘Contra a Literatice e Afins’ (Guerra & Paz) é o novo livro de João Gonçalves, o autor do blogue Portugal dos Pequeninos. Sem piedade, como na excelente escrita de João Gonçalves – concordemos ou não com ele. Em Março nas livrarias.

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FRASES

"A política portuguesa tem o folclore dos bailados do Verde Gaio." J. Rentes de Carvalho, no blogue Tempo Contado.

"Portugal beneficiaria muito em rescrever a sua História dos Descobrimentos." Paul Laverty, argumentista de um filme sobre Cristóvão Colombo. Ontem, no CM.

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fevereiro 17, 2011

Blog # 804

No Festival de Berlim acabou de ser apresentada a sequela de ‘Tropa de Elite’. Wagner Moura, o ator que interpreta a personagem do capitão Nascimento, lembrou ao CM que se tratava do “filme mais visto de sempre na América do Sul”. Não admira. ‘Tropa de Elite’ foi o primeiro filme das últimas décadas a apresentar outra visão sobre a violência do Rio de Janeiro, sem o ar épico e romântico dos traficantes e deserdados das favelas, onde a lei está ausente – mas mostrando como funciona a corrupção e a violência policial. É um filme de que ninguém sai vivo. Nas salas de cinema brasileiras o público aplaudia. Ao fim de muitos anos, um filme mostrava o drama dos lutadores solitários e, ao mesmo tempo, o rosto do mal e a sua desculpabilização pela má consciência da burguesia.

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‘O Complexo de Sagitário’ é a nova ficção de Nuno Júdice (D. Quixote) – uma reinterpretação da ‘Filosofia na Alcova’, do Marquês de Sade; termina assim: “...a treva de Sagitário por entre o brilho das estrelas.” Sai este mês.

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FRASES

"É necessário proteger o setor da Cultura de uma política geral de austeridade." José Sócrates, ontem, no CM.

"É bom que nem chegues perto do estádio." Bernardo Pires de Lima, sobre a hipótese de Paulo Futre ir para o Sporting, no blogue União de Fato.

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fevereiro 16, 2011

Blog # 803

A ideia de que “a juventude é que é”, que “a juventude tem sempre razão”, que “é preciso investir na juventude”, entre outras anomalias herdadas dos anos 70, criou um mundo de monstrinhos egoístas e salafrários – e manda-nos esconder os velhos, ou porque têm rugas, ou porque não fazem aeróbica, ou porque são um incómodo e fazem xixi na cama. É preciso afastá-los da vista. Depois de um ou dois dramas mais macabros, a atenção das pessoas regressa aos seus velhos, que o Estado, muito amável, trata por “idosos”. Uma sociedade que não gosta dos seus velhos, que não os protege, que não os salva da doença, que não os prepara para a velhice — não merece a sua sabedoria nem a sua melancolia. Favorece o medo e a angústia diante do futuro. E autoriza todas as formas de egoísmo.

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A edição hoje corre quase tão depressa como os acontecimentos. A Civilização acaba de publicar ‘Os 33’, um livro de Jonathan Franklin sobre o resgate dos mineiros chilenos. O relato de 69 dias passados a 700 metros abaixo do solo.

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FRASES

"Se a escola privada tiver melhor avaliação, fecho a pública e deixo a privada." Eduardo Marçal Grilo, ex-ministro da Educação. Ontem, no CM.

"Agora somos todos egípcios. Quando vier um 25 de Novembro vão separar as águas do Mar Vermelho." Pedro Picoito, no blogue O Cachimbo de Magritte.

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fevereiro 15, 2011

Blog # 802

O CM de ontem dá uma importante notícia: em janeiro houve 172 imigrantes inscritos no Programa de Apoio ao Retorno Voluntário – não apenas brasileiros, mas também santomenses, angolanos, cabo-verdianos e de países do Leste. Até ao final do ano supõe-se que alguns milhares possam abandonar Portugal, a acrescentar aos que já o fizeram ao longo de 2010. É mau sinal esta saída de imigrantes (não apenas porque traduz o aumento do desemprego e a agudização da crise económica). Nos últimos anos, foram eles que trouxeram sangue novo a um país envelhecido – mas também com algumas perspetivas de crescimento. A integração de muitos desses estrangeiros contribui ou para mudar a nossa palidez, ou para mudar os nossos hábitos de trabalho, ou para impedir a solidão portuguesa.

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João Paulo Cuenca é uma das vozes mais interessantes da nova literatura brasileira. A Caminho acaba de imprimir ‘O Único Final Feliz para uma História de Amor é um Acidente’. Excelente título para depois do “dia de São Valentim”.

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FRASES

"Se ele contasse o que fez àquele pai já tinha era sido preso." Popular de Vila Verde da Raia, Chaves, sobre Carlos Teixeira, que matou o pai a golpes de foice. Ontem, no CM.

"Farto de política, enfadado da pátria, opto por trazer-vos um travo de pecaminosa luxúria." Pedro Norton, no blogue Delito de Opinião.

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fevereiro 14, 2011

Blog # 801

Recordo as imagens de ‘Perto da Vista’, livro que a Imprensa Nacional publicou em 1984, e a surpresa diante das fotografias de Gérard Castello-Lopes (1925-2011). Vi-as depois, aqui e ali: um prodígio de composição, de luz, de elegância. A sua morte (no sábado, em Paris) foi tão longínquo como o seu próprio desprendimento em relação à fotografia, em que se identificava o traço de ligação a Cartier-Bresson. Gérard Castello-Lopes era também emblema de uma geração ligada ao cinema, à perplexidade e à melancolia. Os seus textos sobre fotografia, publicados em ‘Reflexões sobre a Fotografia’ (publicado pela Assírio & Alvim há sete anos), dão parte desse cruzamento. Nenhum dos seus retratos deixam um rasto de indiferença; pressente-se um rumor, um gesto, um mundo à espera.

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Preparem-se para horas de perfeição: acaba de sair ‘Bufo & Spallanzani’, o segundo romance Rubem Fonseca na Sextante. Se há um nome para o talento e a ironia na nossa língua, é este: Rubem Fonseca. Estão à espera de quê?

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FRASES

"Há em Portugal muitas pessoas para quem os princípios ainda são essenciais." Teresa Lago, cientista. Ontem, no CM.

"A intelectualidade portuguesa nunca dispensou a sobranceria. E um enorme desprezo pelo povo." Luís Naves, no blogue Albergue Espanhol.

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fevereiro 12, 2011

Falar verdade

Não há jogos iguais. Já sabíamos. Quem viu o FC Porto-Braga da primeira volta assistiu a uma das melhores partidas deste campeonato: um Braga motivadíssimo por um segundo lugar da época passada e por uma hipótese na Champions – e um FC Porto brilhante e lutador que contrariou as sibilas (que têm dons proféticos) e pitonisas (o nome deriva da serpente Píton) da pré-época. O Braga-FC Porto da segunda volta será diferente. No domingo, tudo será mais táctico, mais cuidadoso, mais concentrado no essencial – a vitória é necessária a ambos os clubes e não vale a pena iludir o cenário: nem o FC Porto nem o Braga estão ao mesmo nível competitivo da primeira volta. Mas o jogo pode constituir o ressurgimento desse ânimo que tem faltado. Ânimo, aqui, é um eufemismo: significa, também, pontaria, entusiasmo, delírio criativo, velocidade na direcção do golo, eficácia, paixão. Coisas que fazem o futebol e que fizeram a primeira volta do FC Porto, não como uma máquina trituradora, mas como um grupo animado pela paixão do jogo.

Já o escrevi aqui várias vezes (Luís Freitas Lobo insiste nesse ponto com a inteligência do costume): mais do que desporto, o futebol é um jogo. Por vezes, dentro e fora do relvado, tem mais a ver com Sun-Tzu, Maquiavel, Richelieu ou Clausewitz, que trataram de jogos mais perigosos, os da política e da guerra. Em certa medida, e em certas circunstâncias, o futebol é contaminado por eles – há centenas de citações que têm aplicação nos estádios, mas nenhuma vale o que vale um golo e, antes do golo, o entusiasmo por querer marcá-lo. Vale mais, por isso, falar verdade e jogar em conformidade; ou seja: é preciso, além disso, recuperar as duplas e triplas que permitiram a qualidade da primeira volta.

Suspeito, ao olhar para o plantel disponível, que o jogo deste domingo ainda não será o da reviravolta e que Sevilha será o palco escolhido como o momento de viragem. Pode ser. James, Hulk e Varela até podem ser o tridente fatal. Mas é preciso um pouco mais.

in A Bola - 12 Fevereiro 2011

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fevereiro 11, 2011

Blog # 800

A notícia vem no CM — e relembra uma expressão romântica que hoje já não usamos, a não ser na literatura: “Morrer de amor”. Daniel Ross, 21 anos, beijou pela primeira vez Jemma Benjamim, 18. E ela morreu. Passou-se no Reino Unido. Os médicos atribuíram o caso à Síndroma de Morte Adulta Súbita, uma explicação que não explica nada. Num mundo sem pudor e sem contenção, esclarecido por aulas de educação sexual, com a música, o cinema e a publicidade invadidos pelo sexo, que passou da esfera privada para o domínio público, num esforço de exibicionismo tantas vezes doentio, eis como um primeiro beijo (ao fim de três meses de “amizade”) pode ser fatal, provocando aceleração cardíaca e síncope. Coisas que já não se usam. E que, definitivamente, não acontecem no Facebook.

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Ignacio Martínez de Pison é um narrador de grande categoria: a Teorema prepara-se para lançar ‘A Hora da Morte dos Pássaros’, um livro de contos que, de qualquer modo, mostra o fôlego de um romancista. Bons livros de Espanha.

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FRASES

"A rapaziada de Sócrates escolhe o caminho mais fácil: Carrilho é o adversário conveniente." Eduardo Dâmaso, ontem, no CM.

"O amor é mesmo o que parece: hoje assim, amanhã assado." Ana Vidal, no blogue Delito de Opinião.

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fevereiro 10, 2011

Blog # 799

Há por aí um ‘debate’ sobre uma canção dos Deolinda. Ora, o que cantará Ana Bacalhau? O mais simples: que a vida não está fácil e que ter um cursinho universitário (ainda por cima destes) não é um seguro para os anos que se aproximam. O problema é que os portugueses se deixam enfeitiçar por refrães sobre como a vida é injusta. A canção diz também para que a geração mais velha se preocupe com as novas gerações que, coitadas, não têm emprego garantido. Não têm? Lutem por ele. Estão desanimados? Os festivais de rock esgotam e os ‘gadgets’ andam de mão em mão. A vida está difícil? Ninguém prometeu um mar de rosas, a não ser nas canções. Perguntem aos nossos avós. Perguntem aos nossos pais. Façam contas sobre como a vida era ‘mesmo’ difícil há vinte, trinta anos. Cresçam.

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John Fante é um autor americano desconhecido – as Edições Ahab acabam de publicar ‘Pergunta ao Pó’ (tradução de Rui Pires Miranda, prefácio de Bukovski), um romance que nos devolve ao lado mais duro e áspero de Los Angeles. Pérola.

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FRASES

"O primeiro-ministro está contente com o aumento da carga fiscal sobre os cidadãos." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

"Se me deportarem, podem encomendar já o meu caixão." Liliana, 25 anos, portuguesa que pode ser deportada para Portugal, onde o marido ameaça matá-la. Ontem, no CM.

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fevereiro 09, 2011

Blog # 798

A mítica livraria Waterstones de Piccadilly Circus, em Londres, vai deixar de ser livraria – em seu lugar, ficará um cinema. Ao mesmo tempo, fecha mais 11 lojas, incluindo as duas de Dublin, com mais de vinte anos de vida. Nos EUA, a cadeia de livrarias Borders prepara-se para dizer o adeus definitivo. A culpa é do livro digital? Não apenas. É sobretudo de uma gestão virada para o “capital financeiro”, que acreditava que podia vender livros da mesma forma que venderia produtos de limpeza, e que poderia impingir eternamente subprodutos infames. Como estava escrito há muito, o livro vingar-se-ia dos seus algozes ignorantes – mas, infelizmente, é um mundo que, tal como se anunciava, termina os seus dias deixando um rasto de desemprego, de desolação e de culpa. É assim.

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Sob o signo do chocolate: Rita Ferro, Leonor Xavier, Rosário Pedreira, Isabel Zambujal, Catarina Fonseca e Alice Vieira publicam ‘Chocolate’ (Casa das Letras), contos ‘doces’ que lembram a perversidade feminina. É barrar.

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FRASES

"O Governo está cada vez mais morto na medida em que der provas de estar cada vez mais vivo." Valupi, no blogue Aspirina B.

"A pontualidade é a marca dos grandes e Liedson foi previsivelmente pontual." Nuno Madureira, ontem, no CM.

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fevereiro 08, 2011

Blog # 797

James Dean completaria hoje 80 anos. Como seria hoje o ator de ‘Fúria de Viver/Rebel Without a Cause’, ou de ‘A Leste do Paraíso’? A imagem que conservamos da sua beleza, da sua melancolia, de um olhar vago e indeciso, de certa androginia – seria ela prolongada em outros filmes ou, consoante os argumentos, procuraria outros caminhos? Esses aspetos esconderiam outros, mais dramáticos, mas o Jim Stark que ele interpreta no filme de Nicholas Ray ficará como emblema de uma desilusão banal sobre o mundo em que os gangues delimitam o pátio da adolescência. Mas em ‘A Leste do Paraíso’, de Elia Kazan, é John Steinbeck puro – vida dura e difícil, sem complexos nem torturas psicológicas. Seja como for, James Dean teria hoje 80 anos. Poderia ter envelhecido e tornar-se mortal.

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“O Diabinho da Mão Furada”, de António José da Silva (O Judeu), é oum lançamento da Guerra e Paz / Três Sinais – um clássico escrito por um nome que nunca devia ter deixado de ser um dos nossos clássicos.

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FRASES

"Se me puser a pensar, em casa, que vou fazer uma cena sexual fico nervosa." Paula Lobo Antunes, ontem, no CM.

"Resolveram começar um livro, em menos de três tempos tinham-no pronto." J. Rentes de Carvalho, no blogue Tempo Contado.

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fevereiro 07, 2011

Melros nas Oliveiras

Acho graça às mais altas auctoridades em matéria sociológica que, de repente, descobrem que a ideia que têm «da imprensa de referência» não coincide com o país, propriamente dito. Chego a isto por uma passagem do post do Henrique Raposo («Este tema não pode continuar a ser apenas do Correio da Manhã. Este tema tem de saltar para a imprensa dita de referência. Portugal não é um país de brandos costumes.») sobre a violência doméstica. Metade do país constitucional (estamos no século XIX, bem vistas as coisas, e tudo o que não passa no Chiado, na Havaneza, no Grémio, é como se não acontecesse), ou talvez mais, descobriu que não somos um país de brandos costumes. Ora, a questão é velha. Durante o regime do dr. Salazar não havia crimes na imprensa, a menos que os facínoras fossem mesmo facínoras; se não havia crimes, não havia páginas de crimes; se não havia páginas de crimes, não havia literatura policial. Os autores de policiais, portugueses, chamavam-se Ross Pynn, Frank Gold, Dick Haskins (Roussado Pinto, Fernando Campos, Andrade Albuquerque), por exemplo. O país constitucional (regeneradores, históricos, progressistas), por outro lado, abomina a violência. Os seus representantes nas cadeiras do pensamento, nas conferências de S. Vicente de Paula, do Casino ou do Grémio, atribuíam isso ao Correio da Manhã, esse albergue de suculentas cabidelas onde o sangue não coagulava de página para página, «que horror, é só sangue, que horror» — mesmo que fosse na casa ao lado. Quando se deu «o crime do Meia Culpa», algumas consciências desgrenharam o chinó mas só de passagem; era uma coisa de província, em Amarante, que horror, que horror, deve ser do vinho verde, lá onde há melros a saltitar de oliveira em oliveira, cotovias e cucos entre amendoeiras a florir, camponeses e comerciantes a jogar à bisca debaixo das pontes, com as famílias ao lado, a dar conta dos farnéis. Violência é na Espanha, que são sanguinários; crimes é na imprensa internacional — os nossos não têm categoria, só vêm no Correio da Manhã. Tiroteios em bairros problemáticos não são crimes, são explosões sociais; vizinhos esfaqueados, adolescentes baleados, maridos que matam mulheres no meio da rua a tiro de caçadeira ou à catanada, sogros que estouram a cabeça de ex-genros (foi anteontem, desculpem lá), ex-maridos que esventram ex-mulheres, miúdos do liceu que esquartejam miúdos de liceu, que horror, que horror, isso é do Correio da Manhã, a nossa imprensa fala de alta sociologia (essa mistura aprazível de socialismo com astrologia), de temas fracturantes, de beleza pura, de arquitectos que vão para o emprego e dividem o carro com uma médica e um psi, de bons alunos que sofrem de stress pré-escolar. E, no entanto, só no Verão, cerca de cinquenta homicídios varreram o país, com as mais altas auctoridades de sociologia em férias, tratando por epifenómenos toda essa bandalheira, reservando a violência doméstica para o capítulo dos crimes políticos, cometidos por facínoras da Legião Estrangeira que retalham esposas na alcova nupcial. O pai que mata o filho com uma caçadeira comprada a uns bandoleiros de Idanha-a-Nova, o marido que vai à feira de Boticas aprazar uma pistola para desfazer o cunhado que está a chegar de França, o marido abandonado que vai esperar a ex-mulher à travessa nas traseiras de casa e depois mete o cadáver no porta-bagagem e o rega com ácido num descampado. Isto não lhes interessa? A mim também não. Os sociólogos do constitucionalismo, para manterem a sua estabilidade emocional em regra, preferem que os crimes de violência doméstica sejam politizados e que não apareçam nas páginas de crime, conspurcados e a meio gás. Acontece que os crimes de violência doméstica são o resultado desta pureza de sangue; casamentos que não se discutem, filhos a quem se permite tudo, mulheres trucidadas por famílias funcionais e por ideias disfuncionais, álcool a rodos (ai, a Direcção-Geral de Saúde!), falta de dinheiro, desemprego, emprego a mais, telenovelas, sangue na estrada, miséria no lar, mau sexo e maus hábitos, machismo mariola, machismo filho da puta transmitido de pais para filhos e de mães para filhos. Escusam de vir com o assunto para a primeira página, como se nunca lá tivesse estado e tivessem sido pioneiros – esteve, mas noutros jornais, ai que horror, que horror, é o Correio da Manhã, que horror. Há namorados que dão cargas de porrada a namoradas, para as educar desde cedo e as meterem na ordem logo no princípio – e elas não se revoltam nem lhes enfiam um balázio nos joelhos, aparecem com olhos negros e o cabelo a tapar nódoas negras. Há mulheres de meia idade que apanham surras e continuam a pagar as contas em casa. Há mulheres jovens que aceitam um estaladão e não respondem com um taco de basebol na virilha. Que horror, que horror, é a violência doméstica, vamos legislar contra a violência doméstica, que bom, e fazer mais duas comissões, e uma marcha de solidariedade, que bom, e mais uma lei, que bom, vai ser tão bom. Cumpram a lei (exijam que se cumpra a lei e que não façam dela uma excepção, mais uma, com alíneas e dúvidas e contratempos), envenenem os maridos que vos batem, castrem os namorados que vos tratam mal, abandonem os lares, deitem-lhes azeite a ferver por cima, ponham-lhes laxantes na sopa, chamem a polícia em altos gritos, exijam que os tribunais sejam mais rápidos, criem uma colónia penal cheia de mosquitos, façam macumba para eles ficarem sem tesão, troquem-lhes os medicamentos da hipertensão, eduquem as vossas filhas e ensinem-lhes a usar a inteligência e o varapau em doses idênticas — mas, sobretudo, não me venham com o nhe-nhe-nhem, nhe-nhe-nhem, e tal, e a violência doméstica, e vamos legislar. Sou pela acção directa: lei e prisão e nomes publicados no adro da igreja, e divórcio compulsivo e obrigatório. E não me venham com sociólogas e sociólogos que não sabem distinguir entre sadomaso e humilhação. E leiam o Correio da Manhã; está lá o país. Podem não gostar dele, está bem, mas foda-se.

in A Origem das Espécies - 07 Fevereiro 2011

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Blog # 796

Há histórias que apetece acompanhar e divulgar. Esta, por exemplo, desarma os mais pessimistas. O CM de ontem informava que, aos sábados, a Escola de Infantes e Cadetes dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha ministra aulas de Português, Matemática e Inglês, porque achou que os seus cadetes (entre os 6 e os 16 anos) não estavam suficientemente preparados. Parece que o aproveitamento é satisfatório. A experiência deve ser seguida com curiosidade porque traduz o interesse e o trabalho da “sociedade civil” em coisas tão importantes como a educação e a transmissão de conhecimentos, que parecem estar em défice nas escolas públicas e que merecem a atenção de uma associação de bombeiros. O ‘sinistro’ que os bombeiros das Caldas atacam é fatal; e exige este voluntariado.

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De vez em quando paramos. A poesia é que nos salva em certos momentos. A Assírio & Alvim distribuiu ‘Âmago’, uma antologia de Fiama Hasse Pais Brandão: “Versos, muitos, para finitamente/ alcançar conhecer as coisas próprias.”

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FRASES

"A influência dos EUA nos países árabes nunca será a mesma que era antes da revolta do Egito." Loureiro dos Santos, ontem, no CM.

"Vai passar a haver dois euromilhões. Aqui está como se dobra a esperança da multidão..." José Medeiros Ferreira, no blogue Córtex Frontal.

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fevereiro 05, 2011

Um relâmpago

Não é uma catástrofe perder por 0-2. Seja como for, o campeonato continua. Mas, confesso, merece uma zanga. Se bem me lembro – e a coisa não merece grandes recordações salvo para efeitos pedagógicos –, houve uma ou duas oportunidades de golo desperdiçadas, o que é manifestamente pouco. Quanto aos golos sofridos, não se entende como aconteceram esses – e mal se entende como a defesa reagiu em bicos de pés em situações que exigiam resistência e combate. Combate, precisamente, que foi o que não existiu – em vez disso houve cerimónia a mais antes e depois do primeiro golo e contemporização depois do segundo.

Mesmo concordando com André Villas-Boas na ideia de que é possível “dar a volta ao resultado” (é sempre, excepto quando se trata de 0-5 ou 0-7, se me faço entender), é necessário fazer mais do que ter fé. É necessário preparar o mês de Abril. É necessário pôr jogadores a jogar; é necessário recuperar energias mas, sobretudo (ah, sublinhem a palavra “sobretudo”), colocá-las em campo. Por exemplo – e por muito que isto irrite André Villas-Boas (que acha preconceito pedir um ponta-de-lança), é possível marcar golos quando não há goleadores em campo? É; mas não parece provável. E vendo Falcao e Walter nas bancadas, não sei o que lhes diga.

Mas isto são pormenores. Há jogos assim e jogos assado; há jogos que se ganham por pura inteligência e jogos que se perdem por intranquilidade; numa carreira de 30 jogos e apenas duas derrotas nada está perdido e nada está decidido. Um 0-2 na Luz é limpinho.

Quanto à derrota propriamente dita, Villas-Boas e a equipa têm a obrigação de compreender que há derrotas valiosas e inesperadas que fortificam o carácter e ajudam a emendar a mão. Esperemos que esta se possa incluir nesse número. Há outros factores, decerto; a condição física tem os seus deslizes, a inteligência emocional as suas distracções – mas é nesses momentos que um relâmpago deve anunciar o caminho.

in A Bola - 5 Fevereiro 2011

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fevereiro 04, 2011

Blog # 795

Mesmo quem não viu ‘O Último Tango em Paris’ sabe que ele existiu; e, na nossa memória dos anos setenta, esse relâmpago de imoralidade vem associado ao nome de Maria Schneider, então com pouco mais de vinte anos, mais do que à arte de Bernardo Bertolucci ou à presença de Marlon Brando, nomes mais famosos do que o da atriz que ontem morreu em Paris. A esta distância, vamos lá, o filme não era essas coisas – depois do 25 de abril limitou-se a cumprir esse papel de “relâmpago de imoralidade” que fez crescer as filas à porta dos cinemas, aumentar o falatório, despertar piadinhas de gosto duvidoso. O filme também era duvidoso. Isso aumentou a dose de trágico que rodeou a memória de Maria Schneider, uma personagem lendária da história cultural e sexual dos anos setenta.

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O moçambicano de origem portuguesa João Paulo Borges Coelho, que ganhou o Prémio Leya com ‘O Olho de Herzog’, regressa às livrarias este mês com ‘Cidade dos Espelhos’ (Caminho), que leva o subtítulo ‘Novela Futurista’.

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FRASES

"Dúvida: o partido de Mubarak seria socialista, social-democrata ou trabalhista?" António Figueira, no blogue Albergue Espanhol.

"Os governos não enxergam para lá das eleições e só de soslaio olham para as próximas gerações." Bagão Félix, ontem, no CM.

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fevereiro 03, 2011

Blog # 794

Não se sabe o que está a acontecer no Egito, o reino onde as sombras se movem rapidamente. As opiniões sobre o assunto não fazem supor um grande conhecimento da literatura do outro lado do Mediterrâneo, que pode ajudar a explicar algumas tempestades. Naguib Mahfouz (1911–2006, Nobel em 1988), foi perseguido pelos radicais islâmicos como um perigoso liberal e é um autor extraordinário. Yussuf Idris (1927–1991), ao contrário de Mahfouz, não está publicado em Portugal, mas o seu mais belo livro é ‘Cidade de Amor e Cinzas’, o que pode ser uma metáfora para os dias que se vivem hoje no Cairo. O mais novo deles é Alaa Al Aswany, autor de ‘Os Pequenos Mundos do Edifício Yacoubian’, uma pérola que devíamos ler para não ceder às patetices que estão a ouvir-se por todo o lado.

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Regresso aos ensaios: profundos, belíssimos, os de W.G. Sebald (edição Teorema), sobre a literatura centro-europeia. ‘Pátria Apátrida’ é uma boa designação para o que também pode ser a própria literatura. Uma boa descoberta.

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FRASES

"Se o crime tivesse sido em Portugal, [Renato Seabra] ainda estava à espera da acusação." Manuel Catarino, ontem, no CM.

"O tribunal facultou à imprensa toda a documentação relacionada com o crime." Eduardo Pitta, no blogue Da Literatura.

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fevereiro 02, 2011

Blog # 793

Abençoado dinheiro público. O aeroporto internacional de Beja começará a receber turistas britânicos já a partir de abril ou maio; de Heathrow, hordas de ingleses e de outros curiosos invadirão a planície em voos ‘charters’ e não darão descanso aos melros, que agora saltitam de sobreiro em sobreiro, entre perdizes e cotovias. Beja tem muito que ver e é uma pena que os portugueses não conheçam os seus monumentos e a sua arte sacra (já não falo da gastronomia); muitos desses turistas partirão para as praias, para as barragens, para montes sossegados e isolados onde ouvirão melodias campestres e bucólicas sobre as cegonhas brancas, ou então para o porto de Sines embevecer-se diante da petroquímica. Vai ser, estimo, uma revolução cultural milionária no coração do Alentejo.

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Harold Bloom é o ‘grande leitor’. A Temas e Debates relança este mês ‘O Cânone Ocidental’ (tradução de Frias Martins), o livro definitivo sobre “a literatura que nos fez ser assim”: nenhum livro é tão apaixonado pelos bons livros.

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FRASES

"Há uma zona de responsabilidade pessoal. Temos de começar a fazer poupanças para o futuro." Ribeiro Mendes, economista. Ontem, no CM.

"Há pessoas tão naturalmente boas que senti-las por perto é avassalador." No blogue O Jansenista.

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fevereiro 01, 2011

Blog # 792

A vida da inglesa Mary Shelley (1797-1851), que morreu faz hoje 160 anos, está rodeada de tragédias. Dos seus dois filhos apenas um sobreviveu. O seu marido, o poeta romântico Percy Shelley, amigo de Byron e de Keats, morreu afogado em Itália, para onde o casal se tinha retirado para fugir à maledicência e à má sorte. Regressada a Inglaterra, lutou contra o tumor no cérebro que lhe seria fatal. Em 1818 publicara anonimamente ‘Frankenstein’, que só em 1831 leva com o seu nome. Victor Frankenstein é o nome do criador desse monstro que povoa a nossa imaginação literária e cinematográfica – e que acaba a perseguir o seu criador. Mais do que uma história de terror, o livro de Mary Shelley é também uma metáfora sobre a nossa civilização e lê-lo seria um bom momento de prazer.

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Ensaios, muito bons, os de ‘Um Encontro’, de Milan Kundera (Dom Quixote): uma defesa da literatura, da arte – e, portanto, da beleza, da liberdade, da indeterminação. A não perder.

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FRASES

"Alguns dos seres humanos mais bonitos do mundo têm trinta e tal anos e são portugueses." Valupi, no blogue Aspirina B.

"Terminaram as presidenciais. Começou a pré-campanha para as legislativas antecipadas." Marques Mendes, ontem, no CM.

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