fevereiro 26, 2011

Sofrimento e atitude

Sofre-se bastante sentado no banco do estádio, no sofá da sala, ao balcão do bar – onde quer que se veja o FC Porto reduzido a dez, a lutar pelos oitavos-de-final. Sofre-se bastante em todo o lado, é o destino do adepto, quer ele seja morigerado e sensato, ou mais entusiasta e – vá lá – verdadeiramente alucinado. Falar de um adepto “morigerado e sensato” é trocar as voltas à definição, por natureza, do próprio adepto. Adepto que é adepto está na segunda categoria e sofre aquilo que se sabe. Sobretudo quando as bolas voam, volteiam, andam e desandam, embatem nas barreiras, limpam a poeira à trave, passam ao lado, ganham efeitos escusados. Um dos grandes comentadores brasileiros de futebol, Leonam Penna, dizia – sobre essas bolas que param na trave – que se tratava de “bolas mal chutadas”. É verdade. Mas Nelson Rodrigues, o mestre dos cronistas, encontrou um culpado para esses jogos em que a bola não entra: era o Sobrenatural de Almeida. Pois o Sobrenatural de Almeida esteve anteontem no Dragão, e não deixou que as bolas entrassem.

Prefiro essa explicação à de Jose Antonio Camacho, então treinador do Benfica, quando era interrogado sobre a falta de golos da equipa: “O que se passa é que a bola não entra.” Homem generoso e honesto, Camacho não estava para invenções: bola que não entra não dá golo. E era isso que se passava.

O problema, meu caro André Villas-Boas, é que a bola tem de entrar. Há adeptos, desses da segunda categoria (a do “verdadeiramente alucinado”) que já gastam um dinheirão em ansiolíticos. Meu caro André: você tem uma missão espinhosa entre mãos – a de dar a volta ao texto e a de poupar estragos na taquicardia deste numeroso grupo de portistas que, certamente, não são cientistas do futebol e não compreendem as vicissitudes da bola ou do jogo, mas sofrem com atitude digna e misericordiosa. Essa bola que não entra tem de ser treinada e disciplinada. Não vejo outro remédio. Com sofrimento e atitude.

in A Bola - 26 Fevereiro 2011

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